Um Coração não se Apaga
Eram 23 horas de uma noite clara, lua cheia e Rogério chegava de sua aula na faculdade. Cansado, depois de um dia intenso de trabalho e estudo, queria apenas tomar um banho, comer algo e dormir...
Esse era o seu desejo. Mas não foi bem o que ocorreu... Há alguns metros do portão de sua residência viu um homem sentado na calçada em frente à sua casa. Não conseguiu reconhecê-lo pela falta de iluminação da rua que apenas o sombreava...
Exitou... pensou em voltar para trás, mas a sombra já o tinha visto e acabara de se levantar. Um frio na barriga se apossou de Rogério. E agora? O que fazer? Será que seria assaltado, agredido? Assassinado?
Eram tantas histórias que ouvia todos os dias no noticiário da TV que pela primeira vez sentiu um verdadeiro medo de perder a vida... E para aumentar sua surpresa a sombra lhe chamou pelo nome:
- Rogério...
Quem seria aquele ser que ainda o reconhecia? E ele não sabia de quem era a voz...
- Não tema, não vim lhe fazer nenhum mal. Peço desculpas pela hora e pelo susto. Só que preciso conversar contigo...
- Quem é você? Como me conhece? – falou desconfiado o jovem.
- Meu nome é Marcus, você não me conhece, mas eu sou amigo de seus pais. Aliás, o melhor amigo de seu pai...
Rogério não podia acreditar nisto. O pai que sumira quando ele tinha apenas 4 anos e nunca mais dera notícias para sua mãe e ele. E agora, quem sabe... Ele teria alguma. Mas o que importava? Ele não o abandonara? Seu semblante se fechou... Não queria saber nada de quem não quis saber dele antes...
- Sei que você deve ter raiva e mágoa do seu pai. Mas trouxe notícias dele. Não quer saber?
- ... para quê? Ele não me criou e nem quis... Então, não tive pai...
- Eu entendo... Mas se você soubesse o que lhe aconteceu, garanto que o perdoaria e gostaria de encontrá-lo...
- E por que eu mudaria de opinião? Ele virou santo? Caso tenha virado, por que não veio fazer uns milagres por aqui e nos tirar da miséria que ele nos deixou?
- Acalme-se meu amigo. Você não quer saber dele, tudo bem. Vou-me embora. Contudo, eu não poderia deixar de tentar falar com o filho que ele sempre venerou enquanto conseguia lembrar dele...
- Como assim? Enquanto conseguia se lembrar de mim?
- Sua mãe lhe deve ter falado que ele fora um médico missionário nas regiões longínquas do mundo.
- Sim... ela sempre disse isso...
- Você sabe que ele muitas vezes saia apressado de casa para novas missões. Sua mãe se casou sabendo desta particularidade.
- Sim, ela sabia. Mas isso não significa que ele deveria sumir assim. Sem falar para onde iria.
- Da última vez ele saiu de repente e sua mãe não gostou, pois estava cansada de tudo aquilo. Para ela, caso ele fosse novamente, não deveria nem voltar. Ele disse que ela só estava nervosa, mas quando voltassem eles conversariam e entrariam num acordo. Contudo, era uma missão importante nos recônditos da Africa Central. Assim ele pensava...
- ...
- Então, chegando por lá, passando por Angola e se embrenhando na África central ele e a equipe de médicos, enfermeiros, engenheiros missionários para levar um pouco do progresso àquela civilização abandonada pelos seus dirigentes e ditadores, foram presos por um grupo rebelde.
- Então ele morreu?
- Não exatamente... Fomos torturados por mais de ano... Apenas porque estávamos ali para auxiliar as suas vítimas futuras. Era um verdadeiro horror! Levavam-nos juntos a eles para presenciar as suas barbaridades cometidas para com aqueles povos simples e infelizes, apenas porque viviam, eram massacrados por estarem no caminho.
- ...deve ter sido difícil...
- Sim, a cada nova invasão de aldeias, novas torturas para os aldeões e para nós... Como seu pai tentava sempre auxiliar e não aceitava quieto os vilipêndios, acabou sendo mais torturado que os outros...
- E vocês ficavam só olhando?
- Claro que não meu amigo... Contudo, éramos amarrados, também torturados e pouco podíamos fazer. No fim das contas, ele sofreu uma pancada forte na cabeça e isso lhe tirou a memória. Além disso, foi separado de todos nós. Achávamos que ele teria sido abandonado em alguma aldeia massacrada e esquecido.
- Mas...?
- Mas graças a Deus, estávamos enganados. Depois de 11 anos eu fui liberado por este grupo que também sofreu ataques de um grupo rival... Consegui fugir, ir para um local mais seguro e depois de alguns meses estava recuperado. A partir daí algo me dizia para tentar ir atrás de seu pai.
- E o que aconteceu?
- Como eu não tinha família, fiquei praticamente 5 anos procurando-o. Rastreando-o e quando já ia desistir, encontrei-o em uma aldeia simples. O identifiquei pela voz e pelos olhos. Com uma perna amputada. Sem 2 dedos das mãos, cego de um olho devido às doenças que teve. Ele ainda estava com aminésia parcial.
O jovem estava aflito e querendo saber mais de seu pai. Sabia que aquele era um motivo justo para não ter tido o pai ao seu lado...
- A princípio não me reconheceu. Mas com alguns dias depois, foi lembrando de uma coisa e outra e finalmente lembrou do meu nome e do nome dele... Foi uma grande alegria.
- Mas onde ele está?
- Acalme-se. Primeiro, ele não se lembrava de ter uma família. E ficou muito emocionado quando lhe disse que ele tinha um filho e uma esposa no Brasil... Um pouco mais de mês, depois de uma noite chuvosa ele me chamou de manhã e me contou que havia lembrado de algo. Um menino lindo, chamado Rogério... Seria o filho dele? - perguntou.
- Sério? E onde ele está?
- É muito sério. Desde que ele se lembrou de você a memória dele tem retornado um pouco mais, dia após dia... Ele está comigo em “minha casa”... Muito nervoso e com medo de que vocês não o queiram ver.
- É claro que eu quero vê-lo! Como você disse, sabendo de tudo que ele passou, não tem como não querer vê-lo.
- Sim, eu entendo. Mas acalme-se. Já está tarde e sua mãe deve estar preocupada. Vamos deixar para amanhã. Caso queira, converse com ela para ir junto de ti. Aqui está meu telefone e endereço. É só me procurar, certo?
- É... você tem razão... Obrigado... Aliás, qual é seu nome?
- É Marcus...
- Vou-me indo. Até mais.
O homem virou as costas e saiu. Rogério estava tão radiante que nem apertou as mãos de Marcus como forma de agradecimento.
No outro dia cedinho Rogério contou para sua mãe Suzana o acontecido. Ela a princípio não acreditou. Mas com tantos detalhes também ficou ansiosa em revê-lo. Ainda guardava alguma mágoa do marido que desaparecera, mas ao mesmo tempo amava-o!
Então decidiram ir direto ao endereço. Chegando lá, encontrou um albergue e não uma casa... Será que aquilo estava certo?
Procuraram pelo tal Marcus. Ninguém o conhecia... Então perguntaram sobre Augusto, o pai e esposo desaparecido... Também ninguém o reconhecia. Conquanto Rogério perguntou se havia alguém com uma perna amputada e sem dois dedos das mãos que havia chegado a pouco tempo. O funcionário achando estranho disse que sim, havia alguém assim. Era um homem sem nome. Chamavam-no de Sr. África, pois ele havia vindo desta localidade.
Mãe e filho entreolharam-se e a esperança voltou aos corações. Entrando visualizaram um homem bem envelhecido, mas de semblante sereno. ao vê-los não teve dúvida:
- Suzana, meu amor! Rogério meu filho! Graças a Deus! Espero que não seja um sonho!
Os dois sem saber o que fazer, começaram a chorar de emoção... Realmente, pensava Suzana, a voz era inconfundível e o olhar era o mesmo!
- Sim, é ele mesmo meu filho! Seu pai! Não acredito!
Não é preciso dizer que foi uma manhã cheia de emoções. Em poucos dias Augusto já estava novamente em casa e se recuperando de tudo aquilo.
Depois dos primeiros momentos saudáveis em família, ele pergunta como o acharam?
Só aí, mãe e filho lembraram de Marcus e contaram ao pai que ele o havia ajudado?
- Não pode ser! Tem certeza?
- Sim papai! Tenho sim! Foi ele que me deu o endereço e o telefone. Só que não o encontramos mais depois daquela noite.
- Não pode ser ele, pois ele morreu há cerca de 12 anos...
- Tem certeza?
- Absoluta. Eu o vi morrer na minha frente! Ele me salvou!
- Como pode ser isso então?
- Não sei filho. Mas depois de tudo que vivi, acredito que Deus tenha feito com que ele nos ajudasse a nos reencontrar mesmo estando morto...
Aquilo tudo fora um mistério para a família de Augusto, Rogério e Suzana. Contudo, a Lei Divina é perfeita!
Como encarnação de resgate, vieram Marcus e Augusto para auxiliarem os desvalidos que eles mesmos haviam prejudicado em vidas anteriores. Salvando-as, eles tiveram oportunidade de devolver as vidas que tiraram como guerreiros que foram de outra aurora. Aqueles que eles não conseguiam salvar e morriam na frente deles, era um ensino de Deus para lhe chamar à humildade. Deus dá a vida e só Deus pode tirar. O homem é apenas uma ferramenta que tem o livre-arbítrio para o bem ou para o mal.
Longe das famílias, sentiram na pele como é estar só e sem um conforto. Torturados, estiveram do outro lado do que já fizeram antes como soldados do passado. Humilhados, recuperaram a razão e o bom senso para o amor e o auxílio sincero.
Por fim, Marcus havia separado Augusto de sua esposa e filho em outra vida e ainda se apoderara dos seus bens e família de forma desonesta, assassinando-o de forma escondida, o amigo de outrora... Agora, mesmo após o desencarne salvando a vida de sua vítima passada, ainda conseguiu como espírito equilibrado e vencedor das suas obrigações, encaminhar para o reencontro tão esperado!
Tudo dentro da Lei Divina e universal! Deus realmente escreve certo por linhas aparentemente tortas em nossa visão! Então, sejamos mais pacientes e confiantes nos desígnios de Deus! Ele sabe o que faz e qual o remédio, amargo ou doce, que devemos tomar!
Obrigado! Jesair Pedinte.
Comentários
Postar um comentário