Ferreiro de Deus

Um sereno girar de cabeça foi o suficiente para Cleber perceber o que lhe daria eterna simpatia e um misto de preocupação e alegria. Ele era um ferreiro que vivia por vezes sem dinheiro devido sua conduta de vida. Não se casara e nem tivera filhos. Já no alto de seus quarenta e tantos anos, estava sempre pronto para ajudar o faminto, o pobre. Não era necessário nada mais... O que significava ausência da vida social. O pouco dinheiro que recebia logo se acabava, pois não podia ver um pobre passando frio ou qualquer outra necessidade.
Trabalhava muitas vezes cansado e com o dobro de disposição para fazer alguns serviços extras a fim de auxiliar desconhecidos que lhe pediam cestas, comidas, roupas. Este era Cleber, o ferreiro simples e quase anônimo de uma cidadezinha em passado não muito distante, do país do verão o ano inteiro, quase tão presente quanto o calor de janeiro a janeiro...
Certa feita, deu-lhe vontade de manipular o metal seguindo suas vontades pela primeira vez. Nunca tentara aquilo, pois seu instrumento de trabalho era justamente os metais. De repente vieram-lhe algumas vontades diferentes, torcer e retorcer, dobrar e encolher, amassar e virar até que tomasse formas nunca antes feitas, numa velocidade impressionante que era de tirar o fôlego.
Logo apareceu uma ave bela, uma escultura de metal magnífica. Neste dia seu chefe chegou e a viu, mas quando percebeu que o material usado era dele, ralhou com Cleber e só não o despediu porque afinal era uma sobra de nada de outros serviços.
Assim, Cleber pensou... Vou recolher diversos metais nas ruas, assim poderei criar outras formas que vir à mente. Dias depois havia recolhido muita matéria prima e num final de semana que estava em casa, resolveu experimentar o que ele poderia fazer com todo aquele material. Fez diversas esculturas, uma nuvem tridimensional, um homem brincando com o seu cachorro, uma bela figueira, uma mulher grávida, um menino jogando bola entre outras coisas mais. Essas eram lindas, mas o que faria com as tais?!
Um amigo passando de frente à casa de Cleber ficou muito interessado nas obras e pediu uma escultura para decorar a loja que tinha, escolheu a ave, pois combinaria com o ambiente. Entretanto, quis pagar um valor, no que Cleber não queria receber.
Mas de tanto insistir o ferreiro e agora escultor colocou um preço, embora não gostasse da ideia de receber por algo que lhe foi um prazer conceber. Contudo, ao receber a quantia estipulada, brilhou em sua mente uma ideia nunca antes pensada... “Por que não uso este dinheiro para auxiliar os carentes?” Deste momento em diante passou a esculpir peças de metal e a vendê-las, repassando o numerário aos necessitados.
Não foram raras às vezes que ele visitou aqueles que um dia receberam dele ou entregou o valor como um todo, a fim de que pudessem recomeçar de alguma forma. Passou assim, a ser conhecido com o “Sucateiro de Deus”. De dia trabalhava firme com a profissão de ferreiro.  No fim do dia e começo da noite, Cleber ia para seu ateliê improvisado e cheio de ferros retorcidos para criar suas esculturas e depois vendê-las. Viveu assim e não se arrependeu.
Não ganhou um centavo que fosse com a sua arte. O talento que tinha foi direcionado para ter paz e distribuir o pão do espírito e do corpo aos que ele auxiliava. Não ficou famoso, embora suas obras fossem belas e praticamente perfeitas. Continuou a ser o mesmo ferreiro de sempre, embora também artista e sorridente.
Aplicou a lição do mestre com muita precisão. Não sofreu grandes alterações. Não se mostrou ou foi reconhecido pelas pessoas, mas fez a diferença para várias pessoas que o tinham como anjo. Um anjo que esculpia! Quase uma divina utopia, mas na verdade uma verdadeira alegria!
Jesair Pedinte – 19.06.15, psicografado por Jerônimo Marques.

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