O Menino que a Vida me Salvou...
Havia um menino num canto
choramingando, triste e só... Esteve sempre ali e eu a caminhar voltado com os
olhos baixos, até então não havia percebido a sua presença... Eu ali passara
sem estar... Até que um dia uma pedra solta me fez tropeçar e quase ao chão com
as mãos encontrar...
Sentindo-me envergonhado pelo
tropeço, olhei a minha volta para ver se alguém vira meu vexame, como se
ninguém nunca houvesse tropeçado em algo um dia... Puro orgulho e vaidade
feridos e deseducados no meu próprio espírito.
Foi quando olhei nos olhos
daquele menino que chorava... Ele olhava para minha direção, mas não se
importava, talvez via e não me percebia, pois a dor dele era muito maior que a minha
vergonha...
O que ele sentia? Solidão em
meio à multidão que como eu passava por ele e no máximo lhe dava esmolas as
quais não estava muito interessado. Olhei-o e com ele cruzei estes olhares
inesquecíveis, como num primeiro amor, embora agora era um primeiro senso de
responsabilidade e preocupação verdadeira com alguém que não fosse eu... Em
questão de segundos esqueci-me do próprio umbigo e olhei para o do menino...
que com certeza estava tremendo, não de frio, mas de fome e medo...
- Ei menino. Tudo bem? Onde
estão seus pais? Onde mora?
- ...
Aqueles olhos tristes, cheios
de lágrimas... Medo e receios... Por que motivo ele conversaria com um
estranho? Logo lembrei-me que na pasta a qual carregava havia um pacote de
bolacha recheada... A ele ofereci e quase de uma só bocada ele se serviu...
Como um animalzinho acuado, pegou e se retraiu... Fiquei do lado dele... Que ao
findar as bolachas ao menos já me olhava sem chorar, quase que a confiar
naquele estranho que lhe ajudara sem motivos...
- Quando a esmola é demais, o
santo sempre desconfia... Minha mãe me ensinou a não confiar muito nos outros!
- Ela foi sábia...
Dificilmente podemos confiar nas pessoas, mas ainda existem boas pessoas neste
mundo!
- Tio... Você parece legal...
Mas não sei se posso confiar...
Naquele momento reparei que
ele era pequeno... Devia ter no máximo dez anos... Corpo mirrado, magro, mas
olhos sagazes e maduros para a idade.
- Bem... Não confie... Talvez
seja sempre bom não confiar em tudo ou em todos. Porém análise com o coração. –
não sabia de onde havia tirado estas palavras, mas saíram naturalmente.
O menino sorriu e falou um pouco
da própria vida... Estava na rua porque havia perdido os pais e fugira da casa
de seus avós, pois não queria viver sem os pais e agora estava com vergonha de
voltar e admitir o erro...
- Olha... Tenho certeza que
seus avós te amam e querem você por perto... Deseja minha ajuda para voltar? –
disse torcendo para que ele dissesse não... Contudo bastou perguntar para
receber a afirmativa.
E mesmo contrariando uma
lógica rotineira de nunca desviar do caminho traçado, não me abstive de
ajudá-lo... Deixei naquele dia de trabalhar para o pão material a fim de
iniciar uma nova experiência, a de me preocupar com o pão do espírito!
Auxiliei-o sem nada dizer a
ninguém. Acompanhei-o ao lar dos avós que o receberam com tamanho carinho e
atenção que logo a angústia no rosto do menino desapareceu, dando lugar aos
sorrisos e expressão de alívio sincero. Quanto a mim, fui tratado como um
herói, coisa que nunca fui e nem serei!
Envergonhado fiquei... Mas
logo despertei, quando para o trabalho finalmente cheguei... Levei bronca de
chefe e não sei porque nada falei... Apenas trabalhei o dobro e com muito mais
disposição do que qualquer outro dia... Aliás, no fim do dia, meu chefe estava
feliz e estranhamente parecia que não se importava assim com o atraso....
Naquele dia compreendi que ao
estender as mãos somos os primeiros a receber os benefícios. Para muitos é
loucura dividir para somar... É mais fácil reter do que compartilhar... Felizmente,
Eduardo, o menino, salvara minha existência, pois aprendi a profundidade de
compartilhar...
Wellington
e Sodré em homenagem a Lourival, amigo do antes pequeno, agora um velhinho
grato pela vida que Deus lhe deu! Assim
seja! – 22.09.14, psicografado por Jerônimo Marques.
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