Você Também Pode Estender as Mãos...

No banco de uma praça estava Ernesto pensando cabisbaixo no que vivera até ali... Quantos sonhos tivera? Quantos desejos perseguira? Quantas renúncias havia feito? Para quê? Para viver abandonado e rejeitado... Um verdadeiro zero à esquerda, desprezado pelos mais próximos de seu sangue...
Há alguns meses era pai de família... Bom marido, bom trabalhador, bom filho... Embora não fosse verdadeiramente reconhecido nestes aspectos... Para alguns, Ernesto estava na média... Para outros, um pouco abaixo... Pois suas ambições profissionais se limitavam pela vontade de querer estar sempre auxiliando os desvalidos do mundo... Sendo considerado por alguns como um bobo... Ernesto sorria decepcionado e ignorava sem perder as forças de continuar auxiliando sempre que possível! Em poucos meses estava entre os companheiros que eram antes assistidos...
Perdera o emprego, fora rejeitado pela esposa a qual levara para bem longe os filhos com a desculpa de não amá-lo mais e que não poderia sobreviver ali em miséria... Todos os bens estavam em nome da esposa... A vida lhe pregara uma peça... No emprego fora acusado de roubo, algo que nunca fizera, mas se deixara enganar ingenuamente por um colega vulgar...
Agora estava sem família para lhe acolher, pois os pais estavam no mundo dos espíritos... A esposa ingrata esquecera-se de tudo que ele lhe proporcionara, fizera ouvidos moucos aos pedidos dos rebentos os quais queriam estar com o pai... E este, recebendo tantas notícias infelizes em poucos dias e horas, entrou em estado de choque... Quase sem reação... A casa, fora vendida pela esposa sem o seu consentimento... Enfim... O que fizera ele para tudo aquilo passar naquele instante?
Estava ele ali num banco de praça, um pouco suado e fedido, a refletir... A sede apertava, o estômago começava a reclamar e ele não sabia mais no que pensar... Para piorar, perdera num assalto os documentos e virara em poucos dias um típico morador das ruas... Quem poderia acreditar que em menos de um mês, um pai de família, casado, com emprego fixo e bem conceituado pudesse cair tanto socialmente, sendo avaliado como um ninguém, sem valor... Um verdadeiro lixo humano para muitos?
Ah! A cabeça lhe doía muito... A humilhação era companheira diária... Não foi difícil lhe chegar pensamentos desvirtuados sobre a vida... “Não era melhor tirá-la? Perdera tudo, o que perderia em tirar a própria vida?”
Foi no instante de indecisão, pensando em se jogar na frente de um carro, que o socorro divino começou a atuar mais claramente... Guiado pelos mentores, outro morador das ruas percebeu a intenção de Ernesto... Com o carro se aproximando, Alfonso correu ao destino de Ernesto... Isadora que conduzia um carro popular apertava fundo o pedal do freio para não atropelar dois homens os quais surgiram sob o seu atento olhar!
Alfonso pulou sobre Ernesto derrubando-o ao chão do asfalto, evitando o choque do carro de Isadora, neste momento reconheceu nosso amigo, pois meses antes havia estendido a mão dando-lhe de comer, oferecendo forças e oportunidade de mudar de vida... Alfonso, orgulhoso não aceitara mais do que alguns conselhos e o alimento indispensável e tão raro para os moradores das ruas...
Isadora descera do carro e foi ao encontro dos dois homens de forma determinada e destemida. Algo a conduzia para os dois... Ela não sentia medo ou receio perante aquela situação. Uma mulher sozinha abordando dois homens desconhecidos em situação de rua... Que loucura!
- Está tudo bem com vocês?
- Acredito que sim... Mas nosso amigo parece não estar muito bem moça... Tudo bem doutor? – Respondeu Alfonso, porém, Ernesto não entendeu o “doutor”.
- Você não se lembra de mim, mas eu me recordo de você... Ajudou-me algum tempo atrás... Ofereceu-me de comer e disse pra não desistir de mim mesmo... – envergonhado continuou – aceitei apenas a comida e esqueci-me do conselho.
- Ernesto? Senhor Ernesto? – disse a jovem.
Ernesto que ainda se recuperava da pancada de ter sido derrubado ao chão não compreendia direito a situação. A jovem percebendo orientou Alfonso que o levasse para a calçada, pois ela compraria água para todos...
- Senhor Ernesto de... Sou uma antiga cliente. Não se lembra? Sempre que precisei você me auxiliou além do necessário. O que houve?
Ernesto tinha vaga lembrança dos dois que lhe estendiam as mãos. Concatenando melhor as ideias, resumiu suas dificuldades aos dois ouvintes os quais se sensibilizaram... Foi Alfonso quem lhe falou primeiro...
- Olha... Caso queira posso te levar para a casa da minha mãe... Não é muito longe daqui... Lá você poderá passar uns dias e eu também, pois ela sempre reclama por eu estar longe...
- Você não mora nas ruas?
- Sim e não! Moro quando não quero que minha mãe me veja bêbado, drogado... Mas tem hora que volto e cuido dela por uns tempos... Depois quando dá vontade volto para as ruas... Foi numa dessas voltas que você me deu de comer e ofereceu-me uns conselhos... Não disse àquela vez, mas obrigado!
- Posso leva-los! – disse Isadora quase se arrependendo, afinal estava sozinha com dois homens praticamente desconhecidos... Contudo, aquela força continuava a atuar nela intuindo-a para estender as mãos aos dois sem receios... Assim, levou-os numa casinha pobre, embora bem acolhedora na periferia da cidade. Uma senhora – de grande coração - com seus quase oitenta anos os recebera com alegria por ver o filho Alfonso de volta. Isadora prometeu voltar, efetivamente, a cada dois dias levava algo para os três: comida, roupas, alento... Certo dia pediu licença para ler algo e orar a Deus agradecendo por ter encontrado os três amigos.
Conceição, a matrona da casa ficou emocionada e os rapazes ficaram sensibilizados pela delicadeza da moça. Ela leu um trecho dos “Bem Aventurados os Aflitos, pois Serão Consolados”, após comentou com simplicidade e firmeza, encantando a todos. Aos poucos os quatro firmaram uma bela amizade. Uma das vizinhas de dona Conceição aproximara-se daquela “família” interessada nas leituras e comentários de Isadora, seu nome era Cecília. Com o tempo, Cecília e Alfonso se reconheceram apaixonados. Ele passou a querer verdadeiramente mudar de vida... Assim como Ernesto...
Precisavam de um emprego, Isadora os auxiliara. Começaram numa lanchonete a ganhar o pão de cada dia. Mas logo Ernesto conseguiu um emprego novo como vendedor... Aos poucos, com inteligência, trabalho árduo - e muito apoio de Isadora - foi sendo reconhecido e em menos de três anos era gerente de uma rede de lojas de supermercado... Pensava sempre em seus filhos e na esposa... Depois de muito procurar, ficou sabendo do pedido de divórcio... Triste, aceitou, mas desejava ver os filhos... Não queria que esses fossem influenciados pela mãe...
Isadora, sempre estava a lhe animar, buscando incentivá-lo a não desistir dos seus sonhos... Era cerca de 10 anos mais nova que Ernesto... E só então, depois de tanto tempo é que dona Conceição lhe alertara...
- Meu querido, queria tanto que você se arranjasse como meu filho Alfonso! Ele e Cecília vão se casar em poucos dias e estão tão felizes! Acredito que é hora de você voltar a ser feliz com alguém?
- Não acho que essa felicidade me pertença mais...
- Que isso meu filho!? Observe a Isadora, ela está apaixonada por você!
- Isadora?! Apaixonada por mim!?
Dona Conceição tinha razão... Como não percebera!? Estava tão cego sofrendo com seus próprios problemas que não percebera aquele amor sincero de Isadora... Mas será que ele poderia amá-la? Não sabia... Entretanto, em poucos meses reconhecia a afinidade espiritual com aquela mulher maravilhosa... Mas por pudor, receios, traumas do primeiro casamento... Adiava dia após dia a decisão... Isadora desconfiava, mas por timidez não avançava e respeitava Ernesto...
Até que um dia, dois anos depois, o filho de Alfonso e Cecília, com um pouco mais de dois anos e aprendendo a falar pegou as mãos de Isadora e Ernesto colocando uma sobre a outra e disse:
- Tio Nesto e tia Dora... casá...
Ninguém pode conter o riso... Os dois não puderem esquivar de vermelho ficarem... Momentos depois, um confessava ao outro o sentimento represado por tanto tempo... Casaram-se, formaram uma nova família... Anos depois, Ernesto conseguiu voltar a ter contato com seus primeiros filhos, apesar da distância e do tempo longe, eles compreenderam que o pai sempre os amara.
Com Isadora, ele teve mais dois filhos. Viveram entre dificuldades e esperanças por muito tempo, sem nunca esquecer de auxiliar e estender as mãos aos que necessitavam mais que eles... Talvez essa seja uma simples história de amor mundano... Mas na verdade eu a contei para lembrar que as vidas que erram pelas ruas têm sentimentos, histórias e muito valor, embora estejam por vezes sem esperanças... O que é preciso sempre é alguém que possa lhes estender as mãos. Quem sabe um dia você possa fazer isso? Fiquem em paz!

Wellington – 20.10.14, psicografado por Jerônimo Marques.

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