Ingenuidade que Salva


Era noite alva e singela como tantas outras da história humana. Lá eu estava a observar o mar que beijava algumas pedras à beira da praia. As ondas vinham e iam ao seu balançar ininterrupto e eu ali estava, perdida.

Há quantos anos caminhava e sofria... Não entendia nada daquilo que me acontecia.  Vivi anos a fio nesta Terra bendita. Sacrifiquei meus dias da juventude em trabalhos árduos para auxiliar meus pais doentes e meus irmãos menores.

Contudo, sempre estava a reclamar da vida. Queria algo mais! Aquela pobreza, aquela condição paupérrima me arrancava lágrimas de revolta e agonia... Mas era certo, não poderia abandonar os meus pais amados e nem meus irmãos menores.

Um dia conheci um rapaz bom. Ele era rico e logo nos apaixonamos. Era bom demais para ser verdade. Este amado homem era tudo o que eu mais sonhava nos sonhos de moça inocente e jovem! Belo, sensível ao coração, mas másculo! Simpático, extremamente bondoso! Sempre interessado com todos à sua volta com a real vontade de auxílio e de fraternidade!

Cuidou de mim e de minha família. Casamos-nos em poucos meses, mesmo com certa resistência inicial dos pais dele. Contudo, logo que viram sua felicidade e constataram que realmente nos amávamos, também nos abençoaram.

Quando me casei, levei minha família para morar em nossa grande casa. Meus pais recebiam o que havia de melhor quanto aos cuidados para a idade e doença avançada que apresentavam. Meus irmãos tiveram a oportunidade de estudarem e crescerem com todas as oportunidades que nunca tiveram antes.

Foram anos especiais ao meu coração. Ainda que a morte de meus pais tivessem me entristecido muito, continuei feliz, pois sabia que aquilo aconteceria cedo ou tarde. Com o passar dos anos, meus dois irmãos se tornaram adultos e seguiram suas vidas. Os dois foram para outras cidades distantes e quase não me visitavam, apesar de sempre procurar ir até eles com meu esposo. Eles eram como filhos para mim. Os meus sogros eram também como os segundos pais.

Era a mais feliz de todas as mulheres, exceto por não conseguir conceber filhos que tanto almejava dar ao meu esposo, e aos meus sogros os tão esperados netos.

Quando tinha cerca de trinta anos, quase dez de casamento, meus sogros sofreram um acidente e morreram. Meu marido ficou inconsolável! Por meses se isolou de tudo e de todos. Contudo, com o tempo e com muita dedicação a ele, conseguimos tirá-lo daquela depressão natural da perca dos seus queridos genitores.

Tudo parecia se ajeitar, mas ele adoeceu devido a fraqueza orgânica de meses que ele acabara quase definhando, e por uma pneumonia grave acabou desencarnando... O que seria de mim? Sozinha na vida! Sem filhos, sem marido, sem pessoas que realmente me fossem caras? Meus irmãos até tinham muito carinho por mim. Mas as distâncias, as suas famílias... Eu compreendia, não podia exigir deles que me acolhessem.

Novamente estava triste com a vida. Revoltada, apesar de ter herdado todo aquele patrimônio e os negócios de meu esposo que estava nas mãos de um administrador muito probo, não sabia o que fazer. O que realizar. Estava amarga com tudo e com todos. Não saía e ainda por cima, isolava-me em meu próprio lar. Pouco falava. As empregadas eram as únicas que escutavam monossílabos de minha boca.

Um dia, uma delas precisou levar ao trabalho uma criança, era o filho dela. Leonardo. Havia quase 10 anos que havia enviuvado e o pequeno tinha mais ou menos 5 anos. Primeiramente, apesar de ser atraída por aqueles olhinhos escuros e sorriso encantador acabei ralhando, invejando a condição de mãe daquela empregada que era com certeza mais feliz do que eu, dona de toda uma fortuna, mas abandonada pela vida, assim eu pensava... Depois de meditar muito, resolvi certo dia me enforcar! Se Deus existia, não se importava com minha dor, pois levara todos os meus entes amados e ainda não me permitira ser mãe...

Desci para o café da manhã e novamente o menino estava a alegrar o ambiente de minha casa com o seu sorriso e a sua alegria. Maria, sua mãe tentou escondê-lo, mas eu disse que estava tudo bem. E quando o vi, pedi que ele me fizesse companhia no café. Havia decidido que logo depois do desjejum, mandaria Maria sair para comprar algumas coisas para o almoço e cometeria o suicídio.

Quando estava quase no fim da única bolacha amanteigada que consegui ingerir, o garotinho me olhou sorridente, depois de comer bastante e disse-me: “Por que você não quer mais viver?”... Não pude deixar de me assustar e perguntei como ele sabia disto? Ele apontou para o lado de minha cadeira e disse que havia um homem bonito acariciando meus cabelos. Eu não podia compreender nada daquilo. Mas quando ele descreveu o homem e ainda me disse o seu nome, Cássio. Não tive dúvidas, era meu esposo. Senti o seu perfume, e até o toque carinhoso!

“Ele diz que a senhora não deve ficar triste, pois ele está sempre ao seu lado! Deus não te abandonou e que você não deve fazer aquilo”. Chorei muito, e Maria ficou preocupada acreditando que o menino tivesse incomodando-me, mas disse que não. Gostaria de ouvi-lo mais. Desisti de tirar minha vida. Leonardo, o menino, passou a frequentar sempre meu lar e alegrar minha vida! Fui uma segunda mãe para ele. Paguei seus estudos, torci, vibrei com seus sucessos e ele sempre esteve a me surpreender e dar notícias de meus pais, sogros e esposo querido! Não sabia como isso acontecia, mas era real!

Quando adulto pediu-me um dia que eu amparasse outras crianças. Ele já estava assumindo a administração das minhas empresas, de minha fortuna. Maria e ele já moravam comigo. Não pensei duas vezes! Com o auxílio deles, fundamos uma casa que recebia crianças carentes para dar todo o apoio material, intelectual e ainda falar de Deus! Nunca mais a revolta se apossou de meu coração e desencarnei com pouco mais de sessenta anos. Fui recebida por Cássio e meus pais.

Aqui, fiquei sabendo que Leonardo havia sido meu filho em outra vida. Outra vida? Não foi apenas isso que descobri ao chegar deste lado. Foram tantas as surpresas e alegrias.

Revolta contra Deus? Nunca mais! Passei a auxiliar as crianças e as mulheres solitárias. Com meu empenho, conheci o trabalho das “Flores de Luzes” como apelidamos carinhosamente as trabalhadoras do Instituto Flor de Luz e me inscrevi para ingressar nas atividades de socorro às recém-desencarnadas e também as encarnadas.

Especificamente procuro atuar junto aos mentores do Instituto para que nossas amigas do mundo não desanimem e procurem a caridade para preencher seus corações. Quanto às desencarnadas, atuo no desligamento e recepção daquelas irmãs em revolta por não aceitarem a vida que tiveram e penso: poderia ser eu no lugar delas se não fosse Leonardo e Maria. Se não fosse Cássio e também meus amigos e anjos deste lado! Então me esforço para ser um anjo sem asas e auxiliá-las como eu posso e tenho capacidade de ser e de amá-las!

Obrigada! Manuela N. – 14.01.13, psicografado por Jerônimo Marques.

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