O Crédito

Em via pública andava Antônio. Coração de um gigante amolecido pelas agruras da vida. De orgulho e reticente, passou a ser humilde a cheio de fé. A vida nos seus primeiros 30 anos não lhe fora fácil. Órfão de pai, mãe distante e “quase inexistente” em sua vida, apesar dele muito amá-la. Foi o arrimo de seus irmãos caçulas, três filhos ao todo. Foi o sustentáculo desde cedo deste lar. Suportou as acusações de vagabundo, filho de uma mulher da vida que assim vivia para colocar o alimento na boca de seus filhos.

E mesmo com a indiferença, Antônio sabia que aquela era a forma de sua amada mãe dar-lhe algo seu. Era como um presente que proporcionou viver e crescer decentemente, mesmo que por “conta própria” na moralidade. Consciente de que não estaria aqui encarnado para perder tempo, desde cedo, ao contrário de seus irmãos, buscou aproveitar o tempo. Era orgulhoso e desconfiado, mas também era naturalmente bom.

Auxiliava os outros, mas tinha o prazer de mostrar-se o benfeitor, o melhor de todos. Por isso, a condição de sua vida, de ser um órfão, de ter uma mãe que era condenada aos olhos alheios e de ter dois irmãos literalmente mansos e dependentes, para não dizer preguiçosos e malandros... Isso tudo foi moldando seu orgulho exarcebado. Pelas humilhações e joguetes. Pelos preconceitos sofridos, pelas surras cruéis e injustas recebidas, pelas cicatrizes do corpo e da alma, cresceu nele uma vontade de vencer no mundo.

E por incrível que se possa pensar, esse vencer no mundo não era um sonho provindo do orgulho e da vingança ou do ódio por aqueles que o desprezaram, mas era nascente de uma pequena mensagem que contava a história de um pequeno carpinteiro que cresceu, viveu para os pobres e sofredores e por fim venceu o mundo sendo crucificado. Seu corpo pereceu, mas sua alma foi a maior de todas!

Para Antônio que um dia andava a esmo pelas ruas e ouviu de fora do pequeno templo a história do Messias, esse foi o seu chamamento, sua estrada de Damasco. Neste instante seu coração ainda pequeno pensou em tudo o que acontecia em sua vida e admirou-se, pois o maior de todos viveu muito mais dificuldades e mesmo assim nos exemplificou o amor pelos gestos do bem.

Pensou: por que não fazer algo assim por mim e pelos que vivem ao meu lado. Dali decidiu estudar. Foi chamado de bobo pelos próprios irmãos, recebeu mais indiferença da mãe que não o apoiou. Escárnio dos colegas pela cor de sua pele mais amorenada. Sofreu, sofreu... Mas levantou-se sempre! Quando a dúvida da dor fazia-se mais pungente fechava os olhos e perguntava-se: o que Jesus faria no meu lugar? E mesmo que não conseguisse fazer o mesmo, tentava se aproximar ao máximo da melhor escolha!

Estudou, fez uma faculdade, ao mesmo tempo que trabalhava. Perdeu o seu sossego (que nunca teve) com as dificuldades e destemperos dos seus irmãos. Um se foi nas ondas do crime, outro nas ondas da sexualidade desenfreada e da traição. A mãe quedou-se em cama por anos... foram mais de dez ininterruptos... formou-se... Aos trancos e barrancos, preconceitos e limitações, surgiram algumas parcas oportunidades... E quando finalmente conseguiu um sustento digno de suas lutas, feliz por perceber pela primeira vez o reconhecimento de sua genitora, quando chega a noite para contar a novidade e o momento mais feliz de sua vida... Os braços da morte aconchegam a querida mãezinha... sofre Antônio novamente...

Busca alento e acha que desta vez não encontrará. Lembra-se de Jesus. O que ele faria? Cuidaria de outras mães. Torna-se benfeitor de mães abandonadas pelos filhos. Torna-se pai das mães abandonadas pelos parentes e pelos maridos. Torna-se emissário de Cristo na Terra.

No tardar de sua existência, recorda-se das dificuldades que teve e sorri. Em sonho reencontra a sua querida mãezinha pedindo-lhe perdão. O que para ele não havia o motivos para isso. Não havia mágoas, só gratidão por ela ter gerado seu ser.  Seus irmãos e seu pai vieram como filhos do coração. Órfãos de outras mães que bateram à porta de seu lar beneficente.

Ao findar a vida do corpo, olhou pela última vez os olhos da carne... à sua volta dezenas de pessoas. Várias mães, vários filhos, vários pais, vários irmãos de coração choravam com carinho e em reconhecimento por tudo que fez a eles. “Não mereço isso Senhor!”... “Merece mais” – ouviu em resposta... 

Olha na direção da voz e só vê luz... Duas mãos que “acolhem” seu espírito de encontro ao peito de luz... “Vem meu filho, como disse há muitos anos, nenhuma ovelha se perderá, você é uma delas, descanse”!

Obrigado!  Jesair Pedinte – 17.06.11

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