Depoimento: A Vida é Interessante

Ao pararmos um pouquinho percebemos que há muito o que se pensar, mudar, fazer e melhorar. Não importa onde estivermos, o que fazemos, nem quando... Importante é reconhecer-se. Caso eu tivesse feito o que agora lhes falo, poderia ter evitado os equívocos praticados, que estão bem presentes em minha mente ainda convalescente.
A minha história? Muita coisa passei e vivi, afinal sou eterna como todos vocês. Compreendo a importância deste momento. Compartilhar minhas experiências a fim de quem sabe, servir de alerta aos que dela fazerem sua leitura. Sou uma mulher inicialmente de poucas palavras. Talvez tenho procurado estendê-las para aprender a vibrar em harmonia com a consciência. Vou então contar minha história, como aquelas da carochinha, assim peço licença para me fazer melhor entender:
“Era uma vez uma menininha linda que era muito aguardada no lar de um belo e jovem casal. Haviam se casado há poucos meses. Eram de famílias ricas e influentes. Donas de muitos recursos materiais e posses a perder de vista. Nasceu uma princesinha no lar.  Como todo pai e mãe, procuraram dar o melhor para aquele ser frágil sob sua custódia. Mas como toda história deve possuir um drama, numa viagem ao litoral, descendo a serra aconteceu um acidente trágico e grave. E meus paizinhos amorosos se foram, só que a menininha, ainda de poucos meses sobreviveu. O carro onde viajavam caiu num despenhadeiro. A mãe conseguiu proteger a filhinha num gesto de sacrifício, como toda boa mãezinha, e assim sobrevivi.
Demoraram muito tempo para encontrar os destroços. Graças a um jovem rapaz que morava nas redondezas e vivia andando pelas matas, pois era um carpinteiro e artista que procurava tocos ressequidos e outras toras de madeira para ter matéria-prima de sua arte desprezada, ela ali teria morrido. Os jornais da época noticiaram o acidente dando como mortos toda a família, apesar de não encontrarem meu corpinho frágil, apenas minhas roupinhas. Acreditaram que algum animal pudesse ter levado meus restos corporais como repasto... Os homens têm tanta imaginação, às vezes. Mas na época, a ciência investigativa não era muito avançada.
Meu segundo pai vivia só. Não tinha acesso a jornais e televisão. Vez ou outra ia à cidade mais próxima levando suas obras e procurando novos serviços que lhe pudesse dar em troca algumas coisas úteis para a sobrevivência. Escondeu inicialmente sobre ter me achado, pois se afeiçoara muito e teve medo de me perder para o mundo.
Assim, anos depois é que ele começou a me levar à cidade. E ele me apresentou como filhinha de um romance rápido. Todos acreditaram e me tratavam muito bem, como uma princesinha, pois realmente eu era muito linda por fora... Nem tanto por dentro.
Fui crescendo e cada vez mais aquela vida isolada me entediava. Meu paizinho procurava me ensinar as letras e a arte em madeira que ele sabia e tão bem fazia. No entanto, nada disso me interessava. Esperto ele, como muitos pais, barganhava. Caso me esforçasse e aprendesse com ele, poderia visitar mais vezes a cidade e quem sabe estudar por lá. Aceitei é claro e logo tudo aprendi com esmero. Sempre fui talentosa e esperta. 
Ele cumpriu sua parte, como homem honrado que era. Inclusive mudou-se para cidade a fim de que eu pudesse estudar. Com o tempo passando, tudo eu exigia de meu paizinho. Que além de ter deixado para trás aquela vida pacata começou a trabalhar como um escravo a fim de manter meus desejos e luxos.
Um dia, alguém me disse, para me provocar, que meu paizinho não era meu pai. Eu nem parecia com ele. Chegando em casa, depois de brigar com aquela menina tão infantil como eu, olhei-me no espelho e observei. Era verdade... Eu nada parecia com ele. Naquela época era uma moça de meus 17 anos e quando meu pai chegou em casa cansado e tarde da noite eu disse que não acreditava que era filha dele. Ele levou um choque, ficou branco e gaguejou. Perguntou por quê?
Eu afirmei o que havia constatado. Ele disse que eu era a filhinha do coração e que me amava muito. Insensível, gritei e xinguei. Queria acreditar que eu era filha dele, mas ao mesmo tempo tinha raiva de descobrir o que era um fato a olhos vistos. Eu não havia nascido de seu sangue. Enfim, ele confessou e contou como me encontrou, disse do carinho e do amor que sentia por mim desde que me viu ao lado dos pais mortos no acidente.
Enfureci-me! Acusei-o de ladrão, sequestrador e aproveitador. Fiquei cega. Dali em diante o desprezei, e ele, em troca só me amou. Quando pude, tirei suas economias de um pequeno cofre que ele guardava, escrevi um bilhete frio dizendo que estava indo embora viver minha vida, e disse que não me procurasse, afinal não era meu pai de verdade. Sumi da vida dele. Fui para São Paulo, virei-me sozinha. Sempre fui uma boa aluna e muito trabalhadora. O dinheiro de meu paizinho ajudou muito. Logo, fui me adaptando. Trabalhando e com o tempo me fixando.
Encontrei um rapaz que me amou e eu o amei. Ele tinha uma boa condição financeira. Na época eu era uma profissional que estava em plena ascensão. Resolvemos nos casar e ele me perguntou de meus pais. Informei que eles haviam morrido e que eu vivera com pessoas estranhas a vida inteira. A família dele me acolheu com muito carinho, como meu paizinho sempre me tratara. Nos casamos, tivemos filhos. Quando esses cresceram um pouco, sempre me perguntavam de seus avôs, principalmente meu pai. Isso me doía um pouco o coração, mas nunca quis voltar atrás e revê-lo.
Certo dia, meu esposo fez uma surpresa para nós e quis viajar ao litoral descendo a serra. Não gostei muito da ideia, talvez pela consciência pesada. Contudo, não quis nada dizer. E para meu desgosto maior, paramos para comer na mesma cidadezinha que vivi com meu paizinho. Envergonhada não queria me expor, pois com certeza as pessoas me reconheceriam e me acusariam de ser uma má filha. Para minha surpresa, fui sim reconhecida, mas muito bem tratada. E ninguém falou sobre meu paizinho.
Fiquei ansiosa e curiosa. Com o coração na mão. Por que ninguém me tratava mal? Por que ninguém falava de meu paizinho? Quando estava de saída uma senhora entregou-me um envelope antigo. Não tive coragem de abrir na viagem. Só quando cheguei em casa. Ao abrir, reconheci a letra de meu paizinho que dizia ainda muito me amar. Que rezava por mim onde estivesse e que pedia que Deus me abençoasse. Ele tinha voltado para sua casinha onde vivi meus primeiros anos de vida. Havia dito aos nossos amigos e conhecidos daquela cidadezinha que eu havia ido buscar meus sonhos e que ele estava feliz por isso. Cumprira seu papel de pai e quando Deus permitisse ele a veria novamente feliz e tranquila. Ele ainda pedira a todos para não comentar nada com a filha, caso ela o procurasse um dia, apenas que entregassem aquela carta de muito amor e carinho de um pai abençoado por Cristo.
Não havia mágoa, nem ressentimento. Havia apenas amor e perdão! Ninguém abrira a carta em respeito ao homem de bem que Belarmino, meu paizinho, era e continua sendo. Chorei amargamente e percebi o erro que cometera com meu paizinho. Chamei meu esposo e meus filhos e lhes contei minha verdadeira história entre lágrimas e soluços de arrependimento e vergonha. Pedi perdão a todos que me compreenderam e foi meu caçula que teve a ideia de visitá-lo imediatamente.
Esperançosa e agradecida pela benção de ter uma bela família procurei me arrumar da melhor maneira possível e comprar presentes e lembranças queridas ao meu paizinho. Convidaria ele para morar comigo, perto de mim! Pediria perdão por ter sido uma filha ingrata. Esperançosa e ansiosa parti. Com alguma dificuldade consegui lembrar o caminho da casa de infância. Percorremos os últimos metros a pé, pois o carro não chegava até a casa.
Chegando ao local, a casa estava com um aspecto um pouco abandonada. Temendo o pior entrei e o encontrei na cama dando os últimos suspiros. Parece que ele só me esperava para voltar ao plano maior. Quanta dor eu senti! Quanto arrependimento! Ele sorriu para mim dizendo baixinho: “- Eu te amo sempre!”. Ele se foi e eu fiquei... Não parecia um “Felizes para sempre!”
Os anos passaram, os filhos cresceram, o marido também partira para o outro lado da vida, os filhos mudaram de cidade, apesar de sempre me visitarem, telefonarem e darem carinho, sozinha fiquei. E de ataque no coração faleci... Talvez provocado pelo meu egoísmo passado... Provocado pela falta de amor...
Mesmo assim, em memória de meu paizinho, procurei auxiliar muitos órfãos com o dinheiro que tinha e um pouco do tempo que possuía. Ao findar a vida, fui recebida com o mesmo sorriso daquele paizinho em vida! E se posso terminar com uma licença literária, este “era uma vez” terminou com um encontro belo entre pai e filha que foi perdoada e abençoada num “felizes pela eternidade”, pois Deus quer o amor e não o amargor!

Obrigada! Estefânia – 29.04.13, psicografado por Jerônimo Marques.

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