Ciúme

Era eu uma senhora respeitável da sociedade carioca da década de 1950. Meu marido um grande empresário que começava a ganhar muito dinheiro, amava-me muito. Apesar do temperamento genioso que eu apresentava.
Vivia sempre a reclamar dos empregados, dos servidores, daqueles que tornavam minha vida mais fácil, e por que não dizer mais fútil. Contudo, a futilidade não decorria disto, mas do meu coração invigilante, orgulhoso e prepotente. Agora reconheço isso, mas naquela época... Era a dona da razão. Amava muito meu marido, porém de uma forma estranha. Muito ciumenta, acabava sempre cobrando dele além do necessário. Qualquer atenção que desse às outras mulheres, mesmo que fosse a nível profissional ou social, devido aos vários compromissos que ele tinha diante do mundo dos negócios, era motivo para acusações de que ele não mais me amava e estava querendo me trair.
Inicialmente, estas cobranças eram feitas a sós. Em momentos em que deveríamos aproveitar a presença um do outro. Tudo isso, era nada mais que insegurança de minha parte. Sabia que ele me amava, mas não conseguia compreender que ele não era minha propriedade e que o mundo é uma constante troca de experiências.
Queria ter dinheiro, ser bela e respeitável, como a senhora M., mas ao meu ver o mundo não deveria ter mais mulheres além de mim mesma. A não ser as idosas que já haviam passado do período da beleza física. Com o tempo, as cobranças foram aumentando. O meu comportamento foi ficando mais e mais invigilante para a harmonia do relacionamento. Comecei a espezinhar qualquer mulher que se aproximasse de meu esposo e que aos meus olhos poderia oferecer algum risco. Algumas poucas vezes, o perigo era verdadeiro, mas na maioria só existia em minha mente adoecida pelo ciúme exagerado.
Meu esposo era muito paciente e sempre procurava contornar como um cavalheiro as situações infelizes que eu começara a causar nos eventos sociais. Contudo, em vez de perceber nisso uma postura sóbria e educada, via como um desafio o que me deixava com vontade de aumentar cada vez mais as minhas atitudes que começaram a sair do equilíbrio normal e passaram a incomodar de verdade. Certa noite, depois de uma cena vergonhosa de ciúme que cometi numa recepção de negócios dele, atacando uma senhora um pouco mais velha, mas muito elegante e bela, esposa de um vereador da cidade maravilhosa. Ele foi firme comigo. Caso eu continuasse com aquele comportamento, não mais me levaria aquele tipo de ocasião.
- Você é amante daquela...?
- Não faça isso Verônica...
- É verdade, não é? Eu faço tudo por nosso amor e você me trai...
Daí pra frente os impropérios foram crescendo, crescendo e perdi a noção das coisas... Ataquei-o e pegando uma arma de fogo que tínhamos - isso era algo comum na época em especial nas casas de pessoas com posses - atirei no meu amor. Antes porém, ele afirmou que eu estava louca, para abaixar a arma, mas tenho certeza que não acreditou que eu cometeria tal ato. Foi um tiro certeiro... Quando atentei para tal, percebi a gravidade da minha atitude e o vi no chão, o sangue esvaindo-se de seu peito que ainda estava de paletó... Os empregados batiam na porta , fiquei paralisada. Não podia entender por que atirara... Por que fizera aquilo...
Entraram no quarto e viram a cena. Tentaram chamar os médicos, mas chegaram tarde. Sem reação fui levada pela polícia. O delegado constatou meu estado emocional e me enviou ao hospital. Lá tentei me matar diversas vezes e logo fui transferida para um manicômio. Continuei a procurar a minha própria ruína, e graças a Deus não obtive sucesso. Mas enlouqueci por ter tirado a vida da pessoa que mais amava.
Perdi tudo! O marido, a família que me condenara como uma doida e esquecera de mim rapidamente... Amigos? Nem sei se tive. Dinheiro? Como uma louca poderia tê-lo?! Logo, um sobrinho tornou-se o administrador de todos os negócios e me enviou a outro manicômio. Esse era público e fui esquecida neste recinto pelo resto dos meus dias.
Não existiu um dia sequer que não me recordasse de todo o episódio. Minha consciência feria-me. O meu coração sangrava por dentro. Mas foram anos de aprendizado - apesar de todo o sofrimento naquele lugar que era um inferno em vida, pois expurguei as minhas mazelas. Encontrei uma velha Bíblia. Quando o meu quadro emocional apresentou uma melhora e deixei de ser um perigo para as demais internas, passei a lê-la e a consolá-me com os relatos sobre a vida do Mestre. Pedi perdão a Deus, e ao meu esposo.  Foram quase cinco décadas, até que adoeci dos pulmões e no fim da existência orei com fervor a Deus rogando para que antes de ir ao inferno ou ao purgatório, pudesse ver - pelo menos uma única vez - meu bem amado e pedir-lhe perdão com toda a sinceridade que existia em meu coração.
A noite antes de dormir o vi entrar no quarto. Achei estar sonhando, mas depois percebi que não. Uma bela mulher o acompanhava, mas não senti ciúmes, só chorei de vergonha.
- Perdão... – foi o que consegui dizer.
Ele abraçou e ajudou-me a deitar, para logo depois me levantar... Então percebi que meu corpo ficara deitado e eu saíra amparada por seus braços. Aquele espírito feminino que o acompanhava conduziu-me a uma casa de mulheres que necessitam de orientação e apoio. Estudo e educação. Estou no Instituto Flor de Luz há dois anos. Depois dos primeiros seis meses obtive a autorização de ser visitada pelo bem amado uma vez por mês com uma duração de duas horas.
Estou aprendendo a controlar o orgulho, o ciúme, as emoções tempestuosas, pois tenho a sã consciência que não as depurei totalmente, mesmo com o sofrimento profundo. Estou em recuperação. Meu esposo? Ele já reencarnou. É um rapaz de seus dezessete anos, ainda assim, pediu para poder me visitar todos os meses.
Abigail - coordenadora do Flor de Luz - esclareceu-me que ele viverá esta vida sem minha presença. Casará, terá filhos e poderá contribuir muito com a sociedade brasileira sendo novamente um empresário, sempre procurando respeitar e estimular o crescimento do país: é um espírito compromissado com o bem. É como o bom servidor da "Parábola dos Talentos", que recebe mais responsabilidades por ter cumprido com dedicação as tarefas que foram assumidas anteriormente. 
Confesso que não é fácil saber que o bem amado terá uma mulher que não seja eu, mas é justo! Ele me perdoou e tem carinho por mim. Vou fazer a minha parte para um dia estar ao lado dele novamente - caso seja merecedora desta dádiva. Seja feita a vontade de Deus! Para finalizar, deixo a minha história para todos - em especial aos ciumentos. Irmãos, controlem-se! Busquem ser úteis na vida para direcionar essas energias equivocadas a outras direções como a do bem comum! É muito triste, sofrido, perder a vida por um sentimento tão descontrolado como é o ciúme... Obrigada!
Verônica M. – 01.07.13, psicografado por Jerônimo Marques. 

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