Depoimento: Um Cálice

Foi apenas por um cálice. Algo que se encontra em qualquer lugar. Em todo canto do mundo! Foi por um “copinho” que iniciei a minha decaída, minha orgulhosa desforra e presumível queda moral! Há quase duzentos anos estive encarnada em meio à alta sociedade de Barcelona.
Era uma dama produzida pelos costumes da época. Luxo, beleza, esplendor e atenções sempre voltadas para meu ser. Mas vocês acham que isso me bastava? Não! Era muito pouco! Acreditava sinceramente que me faltavam privilégios. Tudo que tinha era escasso. Deficiente e desfavorável ao meu ego inflado.
Certa noite, em uma das reuniões sociais na casa de um Duque influente, fui belamente adornada para aquela concentração. Sempre que chegava num lugar, as pessoas paravam para me ver, principalmente os homens. Eles para admirar e elas para morrerem de inveja! Foi nesta noite que a vi. Era a anfitriã da casa. Tão bela. Mais do que eu... Era possível? Não poderia ser! Os olhos dos admiradores pousaram sobre a formosa dama e ficaram fascinados, hipnotizados.
Perdi toda a atenção que sempre era minha. Quando me olhavam, era apenas nas ausências rápidas de minha rival. Talvez comparando as belezas percebiam que a dela era muito mais perfeita do que a minha. A bela dama fora apresentada a mim. Angelina. Um nome angelical? Para mim, soava com batidas infernais de sinos próximos à minha cabeça.
O que fiz? Aproximei-me dela cheia de gestos aveludados, sorrisos e simpatias. Apenas uma tática para saber quais seriam os pontos fracos da “inimiga” que só existia em minha mente tomada pelos vírus do ciúme, despeito e inveja! Ao findar da noite, pude perceber a grandeza de minha adversária. Fiquei ainda mais desesperada, despeitada. Além de bela de corpo, era uma alma nobre! Em vez de aproximar-me para aprender, tornar-me um ser humano melhor, mais belo, fiz o caminho inverso.
Tornei-me íntima! Amiga inseparável! Ganhei a confiança daquela alma caridosa. Até participei das atividades caritativas promovidas por ela semanalmente em meio àquela gente pobre, mal cheirosa, suja e ignorante. Tudo para ganhar a confiança daquela mulher cheia de luz, e logo em seguida oferecer-lhe o golpe fatal para retirá-la do meu caminho. Em vez de iluminar-me, encantar-me, a luz feria-me no orgulho, sentia-me reduzida ao nada! Desejava eliminá-la para que eu voltasse a brilhar sozinha. Entretanto, não sabia que meu brilho reluzia no ouro dos tolos.
Numa certa noite, Angelina promovia com meu auxílio direto, um jantar beneficente em favor dos doentes de um hospital que atendia os pobres de Barcelona, convidara os nobres da cidade, que na verdade não se importavam com a causa, mas em aparecer para os outros naquele banquete. Aliás, era isso que também me importava. Mesmo assim doavam quantias consideráveis para estarem ali em evidência perante a sociedade da época. Algo muito atual pode-se afirmar.
Num dado momento do jantar, seria realizado o tradicional brinde da anfitriã da noite com os convidados, eu havia sugerido que utilizasse um cálice belo, mas simples, para lembrar a figura de Jesus Cristo na última ceia. Ela como católica fervorosa e praticante dos ensinos do Mestre acatou a sugestão. Eu mesma arranjei o cálice e ao prepará-lo passei na borda um veneno que adquiri com um boticário da cidade. Esse me orientou e garantiu que na medida certa a vítima pereceria no dia seguinte, sem levantar suspeitas. Pareceria um ataque no coração.
O brinde foi realizado e a nobre Angelina colocou os lábios sobre o cálice da morte. Não me esqueço até hoje daquele momento, da minha triste atitude cheia de egoísmo.
- Boa noite meus caros amigos! Agradeço de coração por estarem auxiliando os pobres doentes que necessitam de comida, roupas e remédios! Creio que juntos podemos fazer muito em favor do Messias, Mestre que entregou a própria vida a fim de curar os doentes da alma. Infelizmente, não tenho os dons de cura do Meigo Rabi da Galiléia. Mas tenho recursos, um marido bondoso, amoroso, e amigos caridosos como vocês que atendem as minhas rogativas! Deus os abençoe sempre! Obrigada por oferecer uma oportunidade de viver a estas pobres almas! Um brinde!
Quando ela levantou o cálice em seus lábios, fiquei paralisada, pensando nas palavras daquela generosa mulher. Após o brinde, quando dei por mim, percebi o erro cometido. O que eu fizera? O remorso corroera-me instantaneamente. Entrei em estado de choque. Desfaleci em seus braços. Acordei apenas no outro dia em casa. Com a notícia que Angelina morrera dormindo. Meu arrependimento aumentara. Eu chorava tanto que as pessoas acreditavam que era pela dor da perda, mas na verdade foi pelo fato de ter atentado contra a vida pura de um anjo encarnado.
No sepultamento eu chorara tanto que determinado momento meu esposo procurou tirar-me do ambiente, mas eu não desejava ir. Confessei aos berros que a envenenei e deveria ser enterrada com ela. Tentei jogar-me na cova, mas não permitiram. Acreditaram que eu estava muito abalada. Até porque a causa da morte de Angelina teria sido um infarto. O próprio médico da família havia constatado.
Ninguém acreditou em minha confissão. Dali em diante eu definhara. Enlouquecera literalmente. Com o tempo fui abandonada dentro do próprio lar, pois meu marido, apesar de bom, necessitava de ter uma companheira ao seu lado e eu encontrava-me em um estado de loucura. Fui deixada depois de um tempo, por ironia do destino, numa casa de saúde mental. Ali vivi como alienada por quase vinte anos. E sabem como desencarnei? Vítima de um infarto no miocárdio! Deus foi justo comigo, mas eu mesma não me perdoei. Vaguei por décadas. Aliás, mais de um século em demência. Até que um dia um anjo lindo veio me buscar.
- Encarnacion – este era meu nome. Chegou a hora de retornar ao mundo e expurgar as dores, esquecer este sofrimento.
Apenas adormeci e quando dei por mim, já era uma menininha vivendo no Brasil, numa cidade interiorana. Filha de pais carinhosos. Precisava nascer longe daquele ambiente de sociedade burguesa e esnobe, sem generalizar. Era preciso encontrar-me em um ambiente simples, sem grandes riquezas materiais e sem grande beleza física. Possuía uma beleza limitada que se bem trabalhada no íntimo, poderia refletir em beleza pura por fora.
Tive uma vida normal na minha infância e fui bem orientada por meus pais com a religião. Católicos fervorosos, adotei a mesma crença, pois algo me atraía fortemente. Talvez, no subconsciente lembrava-me da figura meiga de Angelina. Vivi tranquilamente, estudei e apaixonei-me por um belo, elegante e rico homem. Era o mesmo esposo da outra existência que rogou nova oportunidade, pois se sentia em débito comigo. Ele havia me amado imensamente na última encarnação e pedira para voltar a unir-se comigo a fim de recompensar-me e recomeçar!
Conheci-o na igreja a qual frequentávamos. Ele, herdeiro de uma grande fortuna e filho único de um fazendeiro da cidade. Apaixonamo-nos e logo nos casamos. No início ajudei meus pais e outras pessoas queridas. Contudo, aos poucos o dinheiro fácil começou a me condicionar para os vícios da alma ainda longe da disciplina moral a qual deveria me guiar. Comecei a preocupar-me apenas com o dinheiro, gastar com o supérfluo e afastar-me dos necessitados.
Até que um dia, meu esposo abandonara-me uma vez mais... Por conta de outra mulher. Adoeci, e quase enlouqueci. Os únicos que estenderam as mãos para meu pobre espírito foram novamente meus pais. Certo dia, buscando alguma luz para que eu melhorasse daquela apatia e quase loucura, levaram-me na missa vespertina. Lá o padre usou um cálice de madeira com uma pintura fina dourada na borda do bocal.
Naquele instante, algo tocou-me o coração profundamente! Era como se alguém me dissesse: “- Encarnação, esquece a tristeza! Para ser feliz, é preciso fazer que sorrisos nasçam aos lábios do próximo! Principalmente os pobrezinhos!
Senti-me renovada e retornou o brilho nos olhos! Meus pais alegraram-se, apesar de não compreenderem bem o que ocorreu, e eu muito menos! Acreditaram ter sido um milagre! Dali em diante passei a ajudar a pobres e famintos. Rogava auxílio para eles, pois dinheiro não tinha. Costurava roupinhas para as crianças, fazia comida aos famintos. Conversava, consolava, aconselhava, dava uma de enfermeira. Não mais parei! Foram os melhores cinquenta anos de minha existência!
Desencarnei novamente, do coração, mas agora dormindo, sem dor e sem desespero! Ao sair do corpo físico, estendi as mãos a um anjo generoso, Angelina, que estava a me esperar e sorrir.
- Seja bem vinda Encarnação, minha querida amiga! Vamos, daqui para frente trabalharemos sempre juntas em favor dos pequenos do mundo!
Sou grata pela oportunidade de compartilhar um pouco de mim e agradeço a esta bela alma que ainda hoje me ensina e orienta! Agradeço a meus pais queridos que doaram tudo o que me poderiam oferecer: amor!
O meu próximo passo é auxiliar meu esposo a lutar contra si mesmo, como eu tenho lutado! Desejem-me sorte, pois o vejo como querido irmão que muito me ensinou a enfrentar a mim mesma para tornar-me uma pessoa cada vez melhor! Jesus abençoe o coração de cada um!

Obrigada! Encarnação – 28.10.13, psicografado por Jerônimo Marques.

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