Negro Robusto
Na primavera de um ano longo do século XIX, Matias, negro robusto que vivia na fazenda Sant’Ana estava a espreita. Fugira dias antes da mencionada propriedade, mas ainda estava nos arredores tentando “salvar” sua querida irmã Antônia das garras do senhor que poderia ser considerado um tirano.
Ambos, filhos do Coronel e proprietário daquelas terras, o Sr. Antônio Dias Peralva! Temido e respeitado naquelas bandas do Sul de Goiás... Peralva era dono de mais de duzentos alqueires de terras, apenas naquela região... Muitas cabeças de gado, plantações, trabalhava com exploração de minérios entre outras atividades. Homem de negócios. Sua força de trabalho era escrava, no sentido mais feroz da palavra.
Pai de dois filhos, um primogênito e sua querida caçula Verônica! Era considerada a rainha do lar juntamente com sua mãe Consuelo: tudo era feito para elas. O filho do mesmo gênio do pai, irascível! Futuro senhor daquelas terras, aprendia desde cedo tratar os escravos de forma severa! A ferro e fogo, muito trabalho, e pouco descanso. Muitas humilhações, pouca compreensão!
O sr. Peralva, assim como seu pai, foi iniciado sexualmente com as belas escravas que eram poupadas do trabalho escravo pesados para serem escravizadas de seus belos corpos, oprimidas em suas emoções. Eram abertamente aliciadas e sofriam muitas atrocidades em nome do prazer de seus patrões. Foi assim que nasceram os gêmeos Matias e Antônia, dois escravos de porte belo. Ela com os traços finos de seu pai, ele forte tanto quanto o pai, porém negros como a mãe, essa bondosa e inteligente.
Soube criá-los procurando ensinar o perdão e o respeito mesmo diante das injustiças. Alma nobre, a matrona e guia daquele grupo de espíritos errantes e encarnados. Joana sabia ser doce e ao mesmo tempo impunha respeito por sua autoridade moral. Nem mesmo o Coronel Peralva conseguia castigá-la como gostaria, pois algo dentro dele não deixava. É verdade que abusava dos sentimentos e do corpo de Joana, mas nunca a espancara ou a torturava como as demais. Isso causava desgosto ainda maior à sua senhora, Consuelo. Essa sentia-se humilhada e enciumada, pois o Coronel amava mais a escrava do que a ela.
Certo dia, Joana é envenenada. O Coronel em fúria, espanca sua senhora por ter a certeza do ato vil. Não a mata devido a interferência do primogênito. Com isso, novas provas são iniciadas. Os filhos negros - adolescentes de 13 anos - são praticamente condenados ao início das torturas pelo coronel. Parece que a proteção moral que Joana lhes dava desaparecera com sua morte e a partir deste fato, o pai começa a perseguir Matias e Antônia. Ela um belíssima e encantadora mulata, tão boa quanto a mãe; ele coração bom, porém ao mesmo tempo possuía uma revolta grande. Sentia-se rejeitado pelo pai que sabia ser sr. Peralva. Começou a ser humilhado e a apanhar todos os dias em frente à comunidade. Trinta chibatas por dia era a ordem. Depois... serviço embaixo do Sol, pra finalizar banho de sal grosso, pão e água para alimento.
Uma semana foi o suficiente para Matias perder a saúde. Tudo que o Coronel queria, pois de alguma forma sentia prazer em fazer aquilo. Era como um novo jogo que estava a jogar. Entretanto, chegou a ter dó e deixou o escravo-filho a bel prazer. Até se esqueceu dele... Foi então que recuperando as forças auxiliado pela irmã, fugiu... Ela não conseguiu sendo pega por um capataz... Daí foi a vez dela. Uma semana de torturas, humilhações. Foi corrompida, usada e humilhada...
No fim, foi deixada às moscas... apenas uma velha senhora teve compaixão e tentou cuidar dela. Foi neste instante que Matias volta ao plano da história em alta madrugada. Acerta o capataz na cabeça, deixando-o desmaiado e sangrando. Ao encontrar a irmã, desespera-se e jura vingança e morte ao homem que era seu pai e agora o maior inimigo!
Tira a irmã dali e a deixa com a senhora numa gruta fora da fazenda. Antes do dia amanhecer retorna pelo caminho e encontra ainda desmaiado o capataz. Toma-lhe o facão da cintura e sem pensar muito limpa a ferida que ele mesmo provocara. Alguma energia fazia-o ajudar aquele homem cruel que meio desacordado, meio consciente percebe o auxílio do escravo que reconhecera ser Matias. Na sua visão, outro havia o acertado pelas costas e o escravo fujão o achara e o auxiliara...
Ao deixar o capataz em local seguro, volta o seu pensamento ao Cor. Peralva. Diz a si mesmo “matarei com minhas próprias mãos! Com a força que ele me deu! Serei a arma que lhe tirará a vida! Não gosta de tortura? Meus punhos serão a sua pior tortura!” Esgueirando-se por entre os caminhos do casarão, entra no quarto do coronel. Vê a senhora só... retorna e entra até o escritório que Peralva tinha seus livros e bebia seu vinho. Encontra-o semi-adormecido e colocando as mãos no seu pescoço aperta fortemente... O Coronel acorda com os olhos esbugalhados percebendo que não tinha chances perante aquele negro robusto, que ele mesmo gerara a vida... Olhava os próprios traços à sua frente, com a diferença apenas da cor mais escura da pele e a força que era ainda maior!
Entre o ódio e a consciência, Joana aparece ao algoz e a vítima. Canta ao filho uma pequena canção de quando era criança:
Oh Sinhô...
Me dê arrimo para dar pros filhos
O poder da oração
Que a minha força
Seja a do Perdão! Sempre o perdão!
Oh Sinhô... Sinhô!
Como se fosse pego por um raio direto na alma, Matias afrouxa e antes de sair correndo diz: Perdão meu pai... Perdão Sinhô meu Deus! Não sou assassino como esse daí. Sou homem bom e quero continuar sendo. Cuide dele, pois eu vou cuidar de quem precisa de mim. O coronel tão acostumado a humilhar, a mandar e ser obedecido e temido, entra em estado de choque, paralisado com a harmonia espiritual de sua querida Joana... Aquela que ele amara, mas por orgulho não conseguira respeitar por ter outra cor de pele... Ele deixa o filho bastardo ir embora e seguir seu caminho. Joana sorri para ele, que guarda como o maior tesouro de sua vida infeliz o sorriso branco da escrava negra: a alma gêmea que ele não soube amar.
Contam que o Coronel mudou da água para o vinho. Tanto que o filho primogênito o considerou louco, a esposa se desinteressou dele, e a filha o renegou como pai. Jogaram-no na sarjeta do mundo. Foi tratado como louco e escravo. Daquele dia em diante buscou auxiliar o próximo. Saiu pelo mundo como mendigo pelo resto de seus dias. Dispôs-se dos títulos de senhor e ganhou o de sofredor. No fim, estava sempre a repartir o pouco que ganhava com os negros alforriados nas estradas... Morreu nos braços de um negro velho. Sorrindo para Joana que lhe recebeu dizendo que talvez pudesse voltar à Terra novamente, agora como negro e livre, jogado e humilhado por toda a gente.
Matias e Antônia fugiram. Viveram em outras terras em beira da estrada, formaram parte de um quilombo auxiliando os irmãos de cor a curar as feridas da escravidão. Missionários do amor que souberam cultivar o respeito e o perdão, sobretudo nos momentos de servidão! Enquanto que os filhos brancos e a esposa do senhor Peralva continuaram no reino das ilusões. Com a queda do corpo perante a foice da morte, foram acolhidos e assaltados pelas entidades sombrias que escoltavam suas atitudes. Que paradoxo! Consideravam-se almas puras pela cor de suas peles e seu destino foram as trevas e a escuridão!
Não se julga um ser humano por aparências. Não há inferioridade externas, mas apenas moral. A lição é a do perdão das ofensas. É o ensinamento da Lei de Ação e Reação. É a orientação de que Deus é justo e perfeito, ninguém sofre sem merecer. A lição é a do bom exemplo moral! A lição é do amor que não olha se somos justos ou míseros, apenas ama!
O negro robusto pode ser o branco franzino de hoje e vice-versa. O que nos importa saber é o que faremos com tais qualidades recebidas de Deus? Aproveitaremos? Temos o suficiente para vencermos na vida, se não o fazemos não é culpa de Deus, é nossa incongruência! Reflitamos!
Jesair Pedinte – 05.09.11
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