A Porta Larga

Em meio à cidade e suas tribulações, Ernesto vivia como homem comum, bem formado. Desde cedo houvera tido todas as oportunidades para se preparar adequadamente à sua tarefa escolhida ainda na espiritualidade. Ser médium.
Mais do que isso, trabalharia com diversas faculdades mediúnicas a fim de auxiliar, consolar, agir e viver pelo bem comum. Começaria como doutrinador e passista a fim de aprender com os irmãos doentes ou revoltosos sobre o valor das oportunidades.
Após certo período de experiências, aprendizados e dedicação passaria a manifestação psicofônica servindo o seu instrumento para entidades também doentes, confusas, más e também boas. Mentores e amigos da espiritualidade. Tudo isso sendo bem observado com relação ao orgulho e a vaidade, chagas ainda tão vivas dentro de seu coração.
Ernesto, apesar de um e outro tropeço pequeno, passou nos primeiros testes guardando relativa ascensão e méritos. Após tudo isso, passou a ver e ouvir os espíritos. Fossem eles bons ou maus, melhor dizendo, ignorantes do bem.
No início foi um choque ver situações tristes e infelizes que os espíritos lhes mostravam, e ao mesmo tempo, uma dádiva por ver quadros belos trazidos pelos irmãos superiores. Ernesto ficava encantado, contudo, os amigos do bem o alertavam quanto ao deslumbramento, à vaidade e o orgulho.
Ainda assim, e por estar sendo sempre alertado, nosso amigo mais uma vez conseguiu superar relativamente bem e quase sem tropeços esta etapa. Por fim, veio a psicografia... Inicialmente apenas linhas reclamantes dos irmãos doentes, desvalidos e “esquecidos” do mundo após serem acolhidos pelos “deuses da morte”, tão ilusórios quanto à própria inexistência do após a vida corporal!
Mais algum tempo, encontramos nosso amigo, recebendo belas páginas de irmãos esforçados para o bem. Para a reflexão. Sempre sendo alertado que o conteúdo das mensagens vinha primeiro para a mudança do médium e depois tinha o objetivo de mudar e fazer refletir os demais.
Vieram os elogios cada vez mais fortes. A primeira obra publicada e logo de cara o sucesso pelo conteúdo moral desta.  Convites para palestras, seminários, viagens para encontros foram surgindo. Exposições e mais exposições! Segundo livro, terceiro, quarto, quinto... Décimo! Em pouco tempo nosso amigo já se fazia conhecido nas obras literárias de cunho espiritual e moral!
Mais do que isso, conhecido como exímio palestrante! Convites e mais convites! Elogios ao infinito! Vaidade e orgulho apenas crescendo... No início, alguns alertas dos mentores. Poucos e sutis. Contudo, com o passar dos tempos, os alertas foram se intensificando... Antes Ernesto os recebia com bons olhos, preocupado em se vigiar e orar mais, com o passar do tempo nosso amigo já encarava aquilo como uma obsessão!
Será mesmo que seu mentor que lhe acompanhava e sempre direcionara seu trabalho não era invenção da sua cabeça? Será que ele era um espírito realmente superior? Se ele sabia o que tinha que fazer e já sabia de antemão que deveria orar mais, vigiar mais e etc., por que tinha que escutar sempre as mesmas coisas o tempo todo?
Não tinha mais o direito de aceitar convites e fazer com que os companheiros de ideal se deliciassem com suas belas palavras? – pensava Ernesto...
Não estava fazendo o bem levando boas palavras?
“Deve dar o exemplo da caridade e do trabalho”! – replicava seu amigo espiritual...
Então não fazia caridade psicografando e doando grande parte das rendas de seus obras à casa espírita que frequentava? Afinal, ele tinha os custos com viagens e outras coisas, precisava receber parte dos lucros... Sem falar que auxiliava os outros a se reformarem! O que mais poderiam querer dele? – voltava a raciocinar friamente...
“Dai de graça o que de graça recebestes”.
Nada acontece de graça na vida. Não temos a lei de ação e reação? Se eu sou um médium cheio de faculdades é por que mereço, estudei, dedico-me e faço por onde – pensava Ernesto...
Aos poucos, depois de uma década de trabalho, nosso amigo foi fechando as portas estreitas aos mentores e amigos e começou a abrir as largas para os espíritos descompromissados e outros inimigos da causa do bem...
Passou a doar menos e exigir mais para si, afinal auxiliava muito os outros, mas precisava auxiliar a família, os amigos próximos. Precisava viajar pelo mundo falando aos outros. Falava e falava, escrevia e escrevia... Mas cada vez mais falava menos das coisas de Deus, e escrevia menos ainda... Ver? Já não via mais...
Doutrinar? Para quê? Era um médium requisitado, não podia perder o tempo de conversar com entidades revoltosas e doentes... Tinha outros talentos mais importantes...
Considerava-se um médium educado e pronto! Só lia agora o que ele mesmo escrevia. Os alertas de companheiros eram encarados como inveja, ciúme, despeito... Quem não o reverenciava era um tolo! Ele já era um grande médium!
Receber cartas às pobres mães saudosas, aos desesperados era trabalho para iniciantes... Ele já não tinha mais tempo para isso... Que deixasse para os novatos...
Foi assim, que aos poucos, e meio a ilusão da porta larga que Ernesto foi caindo, se hipnotizando e perdendo-se para a vida e o que se propôs a fazer... Uma legítima auto obsessão!
No fim, para evitar mais comprometimentos infelizes a espiritualidade o retirou do cenário físico aproveitando a lei de ação e reação, num acidente coletivo numa das suas viagens para conferências...
Desencarnou nosso irmão e não viu o auxílio recebido... Ensandecido vagou pelas estradas tortuosas dos umbrais e após muito sofrer e se iludir, voltou à razão e lembrou-se do orar e vigiar... Foi atendido quando em prece se dedicou com afinco e devoção ao Pai! Foi resgatado e chorou após perceber que havia escolhido a porta larga em dado momento da vida...
Esqueceu-se de que deveria lutar contra tudo isso. Teve várias ferramentas, e agora estava lá, fracassado e pior, havia se complicado mais por culpa própria...
Um novo e longo caminho deverá ser percorrido novamente. Agora sem tantas possibilidades, sem tantas dádivas da mediunidade, pois na prova da mediunidade retornara fracassado. Deveria ser o esteio de um grupo e se perdeu... Agora seria um mero e simples coadjuvante, que deveria perceber e auxiliar outro que substituiria em seu antigo papel.
E agora? Será que ele, Ernesto teria inveja, ciúme, despeito para com o próximo que lá estaria à frente e com tantas responsabilidades? Ou seria um braço direito que saberia estender a mão e auxiliar o irmão a não cair como ele? Escolheria novamente a porta larga ou passaria a se guiar para o caminho pedregoso que culmina na porta estreita?
As escolhas dependem apenas dele. Deus dá novas chances e as ferramentas ideais para tal! E da mesma maneira acontece conosco! Reflitamos!
Obrigado! Jesair Pedinte – 12.09.11

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