Segura na Mão de Deus

Foi naquele dia chuvoso que Otacílio parou seu carro num acostamento e observou a chuva caindo sobre o seu para-brisa, era como se Deus estivesse falando com ele. Pensava: “É engraçado... tudo está alagado, nem posso seguir em frente para não me arriscar na viagem. Quando olho para os pingos que caem no para-brisa... São tão pequenos! Não devem nem encher o fundo de um pequeno copo... A união faz a força, como diz o ditado”.

Otacílio divagava sobre a vida. Não esquentava a cabeça como muitos já teriam feito. Mal sabia que se prosseguisse estaria arriscando-se para um desencarne prematuro, quando uma carreta perdera o controle e invadira a outra pista sem maiores problemas. Contudo, se nosso amigo tivesse seguido em frente teria sido pego por aquele caminhão: ainda dizemos que não existe misericórdia Divina.

Otacílio era um bom trabalhador, bom esposo e pai. Procurava doar seu tempo livre em atividades voluntárias aos menos favorecidos. Advogado, ao contrário de muitos, era extremamente correto e lutava pela verdade e pela justiça. Espírita sabia que a justiça humana era falha, mas não a de Deus e procurava levar um pouco dos seus conhecimentos à lide diária.

Naquela tarde de chuva forte, foi obrigado a cancelar uma reunião com clientes que o pagariam bem, pois a chuva não o deixaria chegar ao destino no horário aprazado; como não gostaria de faltar as atividades mediúnicas da noite, afirmou aos clientes pelo celular que naquele dia não seria possível o encontro. Foi meio a contragosto que ouviram aquilo. Mas paciência, sabiam que ele era um advogado eficiente e disciplinado e que valeria a pena aguardá-lo.

Otacílio pensava no grupo do Centro que frequentava. Quantas pessoas diferentes. Assim como os pingos eram superficialmente até parecidos, contudo, olhando-os em detalhes, cada um era de um tamanho e logo que iam contra o vidro tomavam formas inúmeras para logo em seguida escorrer e ao se juntarem no chão, formavam uma grande enxurrada. Era como seus companheiros de trabalho no agrupamento espírita. Diferentes em alguns pontos, parecidos em tantos outros, mas quando se juntavam ganhavam forças por estarem sempre próximos e unidos. Contudo não fora sempre assim. Há poucos meses parecia que o Centro fecharia as portas devido às divergências, às discussões, às críticas a revelia... Tudo era desarmonia.

Foram alguns jovens que tiveram a coragem de alertá-los pela arte de uma peça teatral que representava a queda de um grupo por invigilância. Entretanto, como o fizeram de forma divertida, mas ao mesmo tempo séria, isso tocou fundo os sentimentos dos médiuns e dirigentes da casa. Eles que sempre se consideravam os donos da verdade, desdenhavam das atividades juvenis, ainda mais no âmbito artístico que seria apenas uma distração perceberam que nada é realmente por acaso. Nem mesmo a arte dentro de uma casa espírita.

Contudo, não foi só pela arte, pela apresentação em si. Isso foi só o sinal de alerta. Ao se apresentarem, os jovens chamaram a atenção da casa para o que estavam fazendo humildemente. Estudavam seriamente a doutrina e trabalhavam. Além de tudo, faziam da arte um meio de evangelizar... E eles, os adultos? Os médiuns? Só brigavam! Os jovens eram exemplos de união. Fora Otacílio que percebera primeiro tudo isso e pedindo a palavra numa daquelas reuniões iniciou sua fala da seguinte maneira:

- Caros companheiros. Estou aqui apenas para me desculpar. É provável que eu tenha sido orgulhoso, ferino, egoísta e injusto uma ou várias vezes com cada um de vocês. É fato que tenho feito só o que me cabe quando deveria fazer muito mais por essa instituição que é o meu sustentáculo na fé. Mas acima de tudo isso, quero pedir perdão aos jovens desta casa!

- Aos jovens? Perguntou um estranhando... Por quê?

- Sim meu amigo. Porque eles têm sido o que eu deveria ser e não sou, esses têm estudado muito, haja vista a peça que fizeram com muita perspicácia e simplicidade. Têm trabalhado, não só fazendo peças interessantes, mas na evangelização, nos outros trabalhos desta instituição que eu mesmo nem apareço para arregaçar as mangas... Não têm nos desobedecido e provavelmente temos sido, falo por mim, muito injustos com eles...Os jovens me mostraram com o exemplo e a prática que há muito a aprender. Somos seres imortais, com certeza não é porque tenho branco os meus cabelos que posso me considerar mais capaz que estes jovens. Peço perdão a todos, mas principalmente à eles que são renegados ao segundo plano, principalmente por mim. Quero retribuir o que tenho aprendido com eles, mudando meu comportamento perante essa casa maravilhosa. Perdoem-me amigos, lutarei para ser melhor do que sou.

Na verdade Otacílio era um dos poucos integrantes que os companheiros não tinham o que reclamar... Na verdade ele era um exemplo de médium, de trabalhador e estudioso da Doutrina. Os que dele não gostava, era por pura inveja. Mas aquele gesto público de pedir perdão à todos e principalmente aos jovens e crianças foi um tapa de classe de nosso amigo humilde. Ele não acusara ninguém, a não ser ele.

Muito pensaram... Ele que é um exemplo de trabalhador e está pedindo perdão, diz que precisa mudar, o que eu devo fazer então? No mínimo o mesmo! Quantos de nós quando temos anos de Doutrina ou de Movimento Espírita achamo-nos no direito de pisar os demais que agora iniciam! Cabelos brancos não indicam evolução ou moral elevada, mas sim os gestos humildes e sinceros para o bem. Aqueles que assim agem, sabem que pouco são e que precisam mudar. Então, sejamos nós os que terão sempre tal pensamento no coração e na mente e assim, abriremos menos portas ao mal que nos rodeia e nos quer equivocados!

Pensemos! Obrigado!  Jesair Pedinte – 26.09.11

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