O Bem Sem Olhar a Quem

Matias era um rapaz alegre e divertido. Gozador da vida, boa praça. Estava sempre a sorrir, levava essa alegria por onde fosse. Era feliz e vivia sem preocupações grandes, pois os pais o sustentavam e tinham boa situação. Fazia o que lhe cabia, estudava, trabalhava com alguns bicos a fim de ter uma renda extra, além do que já ganhava de mesada das mãos carinhosas de seus pais.

Era um jovem normal. Saía com os amigos. Bebia um pouco. Tinha uma vida que era boa e muito comum à sociedade. Trabalho, estudo e lazer. O trabalho e o estudo para ter dinheiro no lazer. Uma lógica tão antiga como as sociedades... Na verdade uma lógica egoísta, tanto quanto a existência humana! Contudo, uma lógica que não lhe dava dores de cabeça e nem mesmo um pouco de remorso.

Sempre fora assim. O seu avô era assim, os seus pais, familiares, amigos e familiares destes também viviam assim. Por que ser diferente? Não havia motivos, aliás, isto nem sequer passava pela cabeça de nosso amigo. Matias era um cidadão do bem. Suas brincadeiras muitas vezes eram até exageradas, pois não raras vezes invadia e ultrapassava o bom senso da educação. Não por maldade, mas por aquilo ser normal. Era uma espécie de “bulling” sem maldade. Pelo menos na cabeça dele. Até porque não se importava quando faziam o mesmo com ele. Sempre levava na esportiva. E caía na brincadeira.

O problema de Matias é que ele era muito inteligente. Raciocínio lógico muito rápido. No fim ele sempre se sobressaía nas brincadeiras. E os amigos que assistiam aos debates de nosso amigo sempre o aplaudiam e sorriam de suas peripécias.

Até que um dia, um jovem meio retraído surgiu no grupo de amigos. Logo de cara Matias teve uma simpatia pelo rapaz, mas apesar disso, com sua alegria resolveu brincar como uma espécie de batizado. Brincadeiras foram feitas. De certa forma além dos limites daquele jovem ainda desconhecido. Pareceu que tudo ficara normal. No fim Matias pediu desculpas ao jovem e disse que era apenas uma brincadeira de amigos. “Amigos?” Não, aquilo não se fazia à amigos pensava o novato da turma.

Um ódio cresceu em seu coração daquele dia em diante. A falta de perdão e entendimento era uma constante no coração daquele jovem... Ao contrário de Matias que sabia cativar, se desculpar, sorrir e brincar, mesmo sem limites, por achar que tudo aquilo era normal. Assim como todos a sua volta faziam... Por vários meses o jovem continuou no grupo e secretamente nutria mais e mais ódio pelo nosso personagem. Fingia-se de amigo, aproximou-se, mas seu objetivo era vingar-se e humilhar posteriormente aquele que o humilhara.

Foi numa manhã cinzenta que tudo aflorou. Matias estava num daqueles dias mais reflexivos. Adroaldo, o jovem que nutria o ódio pelo nosso amigo prepara-se para retribuir as humilhações daquele primeiro dia. Era uma reunião do grupo em uma chácara de amigos.
Era uma chácara bonita. Haviam várias formas de diversão tão comuns para os jovens. Umas sadias, outras nem tanto. Um campo de futebol, piscina, mesa de sinuca, uma trilha, barzinho, churrasqueira. Compraram cerveja, carne para o churrasco. Era um dia alegre, apesar de cinzento.

Adroaldo estava aparentemente bem alegre. Como nunca o fora antes. Começou a brincar que seria o auxiliar de Matias, que gostou da brincadeira. Ofereceu-se para ser o garçom das latinhas de cerveja da turma, principalmente de seu alvo. Para este, a cada latinha, uma substância farmacêutica que alterava algo no corpo do nosso amigo.

Depois de algumas latas, aliado aos efeitos do remédio, o incômodo de Matias aumentou tanto que ele parecia querer explodir. Ao mesmo tempo muito zonzo, de repente apagou... convulsão... preocupação do grupo de amigos. Principalmente de Adroaldo que percebera que exagerara na dose. Só queria que ele soltasse o intestino, mas esqueceu-se de olhar dos efeitos colaterais do remédio e se nosso amigo tinha algum tipo de alergia.

Pronto, “matei o Matias”! Desespero. Tudo por que queria vingar-se de uma humilhação. E agora? Desespero. Começou a gritar que a culpa era dele, os demais ficaram sem entender o porquê. Chamaram o médico. Adroaldo não saía de perto de sua vítima, atormentado pelo remorso. O atendimento fora rápido.
Algumas horas depois no hospital o quadro havia se estabilizado após uma lavagem e outros cuidados médicos. Adroaldo apreensivo, não arredara o pé do local. E finalmente quando pode visitar o amigo-vítima... sentiu pesar em seu coração.

Entrou e quando viu Matias, chorou de vergonha. Mas pra sua surpresa este o recebeu com um grande sorriso no rosto! Estendeu-lhe as mãos e disse: “venha cá meu amigo! Porque essa tristeza? Você me fez um grande favor, lavou a podridão do meu corpo...rs”.

Esse era Matias. Brincava onde ninguém mais o faria. Finalmente entendera que Adroaldo não era assim e completou: “meu amigo, me desculpe. Não brinco com os outros para machucar, mas porque quero todos sorrindo, mas não tinha percebido até hoje que nem todos são como eu. Você me fez enxergar isso. Obrigado”!

- Como assim? Obrigado? Quase te matei e você me agradece?
- É claro! Graças a você não tenho que pagar minha parte do churrasco...rs. Saí ganhando.
- Você é estranho... Sabe... Eu te odiei naquele dia. Achei que você queria humilhar-me por ser o “bonzão”, mas vejo que me enganei. É seu jeito.
- Não amigo, você está certo. Claro, eu não fazia isto pra humilhar, mas porque achava legal. Mas nunca pensei que isso podia ferir o coração de outra pessoa a ponto de provocar esse tipo de reação. Sei que você só queria que eu ficasse meio “emporcalhado”... A ideia era boa...rs
- Desculpe-me.
- Só se você me desculpar!
- Desculpado!
- Agora eu tenho que agradecer.
- Agradecer? Por quê?
- Sim! Porque eu tive umas visões estranhas quando fiquei desacordado. Me vi num lugar bonito. Parecia bem familiar. Vi minha vó que já morreu e ela falou comigo tão carinhosamente que senti uma saudade. E sabe de uma coisa? Ela me deu um verdadeiro puxão de orelha!
- Sério? Por quê?
- Pela vida que ando levando. Ela me disse que tenho tanto a oferecer. Tanta alegria a oferecer para os outros e ando gastando essa alegria pra coisas erradas! Se eu continuar nisso vão aparecer outros amigos insatisfeitos e o resultado pode ser pior...
- Ai credo! Sua vó tá querendo é te assombrar então!
- Não. Nada disso. Como eu disse, ela foi muito carinhosa. Ele me pediu para continuar sendo alegre com os amigos, mas que eu possa levar essa alegria pra ser útil pra alguém que precise. Lembrar que tem muita gente triste, muita gente que precisa de uma visita nos hospitais, em asilos, em presídios e mesmo nas periferias. Como eu posso sorrir sabendo que muitos choram por aí?
- Ela falou tudo isso?
- Foi. E ela tem razão né?
- Pensando bem, é verdade.
- Então. Aí eu estava aqui pensando. Devo receber alta aqui daqui umas horas. Mas queria ver se dou uma voltinha na enfermaria pra conversar com umas pessoas. Contudo, acho que não tenho coragem de ir sozinho. Você não quer ir comigo não? Você toca violão né?
- Toco... Mas a gente pode visitar?
- Não sei... Mas a gente dá um jeito – piscando o olho.
- Você não tem jeito!
- Eu sei, só que agora é para uma boa causa!
- Tudo bem, parece ser uma boa causa mesmo.

E dito e feito. Horas depois Matias recebeu alta, pediu que os pais o esperassem no carro e com a ajuda no novo amigo, agora com sinceridade, se infiltraram na enfermaria e depois de levar vários sorrisos e emoções aos internos, ah! E muitas broncas dos profissionais também, foram embora como velhos amigos.

Aquele foi um dia especial para os dois. A amizade tornou-se sólida. O trabalho nos hospitais também, só que com as devidas autorizações e cursos para tal. Tudo isso rendeu no coração dos jovens a vontade de servir pela saúde dos enfermos.

Adroaldo tornou-se médico pediatra e Matias, enfermeiro. Sempre que podiam usavam seu carisma, carinho e doavam seu tempo para oferecer algo de bom aos pacientes. Fundaram um trabalho voluntário com jovens para oferecer algo de bom às crianças e todos mais que tivessem mais necessidades. Onde a tristeza poderia fazer morada mais facilmente pela intensidade das doenças e muitas vezes abandono dos parentes.

Perceberam eles várias coisas. Um que deveria se colocar não apenas no lugar do outro, mas se o outro pensava ou não como ele e se sentiria talvez mal com o que pudesse receber de si. Não era suficiente apenas a empatia, mas o que o outro podia suportar. O segundo percebeu que o perdão era mais importante. E que a alegria consagrava e elevava os sentimentos.

Já os dois perceberam que fazer o bem aos outros, ocupar o tempo com algo útil e em favor do próximo era essencial para se ter a verdadeira alegria na vida. Festas, diversões mil são importantes para confraternizar? Sim! Mas não devem ser as únicas coisas do mundo para quem quer evoluir à Deus! E ainda assim, devem ser responsáveis e sem futilidades ou vícios.

A vida é equilíbrio para a emancipação da alma! E devemos fazer o bem sem olhar a quem, sempre!

Obrigado! Jesair Pedinte  25.07.11

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