Simples Assim
Dias atrás Aguinaldo estava andando pela rua e de repente uma pequena mãozinha lhe apareceu meio de frente, meio de lado. Ao mesmo tempo escutou uma voz infantil lhe dizendo: “Tio, me compra um lanche...”.
A primeira reação de Aguinaldo foi olhar para sua companheira de um diálogo que provavelmente ele gostaria de se esquivar. Ao vê-la, olhando meio para baixo, meio de lado... Nosso amigo viu uma pequena menina que lhe pareceu ter seus 10 anos...
- Quantos anos têm garotinha?
- Treze! – respondeu.
- Parece ter menos.
- É verdade tio... Mas é que eu como muito pouco, trabalho muito pra ajudar minha mãe e meus três irmãos. Como eu sou mais velha, eles comem primeiro e se sobrar algo, aí é a minha vez! Disse com um jeito melancólico, mas sorrindo no fim provavelmente imaginando o gosto de qualquer comida que lhe tirasse a fome...
Aguinaldo sentiu o nó apertar na garganta. Não, não era sua gravata e sim o peso da consciência. Olhou seu relógio. Eram meio-dia e quinze. Pensou, por que não?
- Como é seu nome?
- Vitória!
- O meu é Aguinaldo.
- Que nome bonito tio! É o mesmo nome do meu pai - sua voz quase sumiu...
- Onde ele está?
- ...Ele morreu tio...Foi confundido com um ladrão quando voltava pra casa num ônibus... A polícia atirou nele... Mas sabe... Tenho dó do policial... Está preso e ele chorou tanto pedindo perdão pra gente...Minha mãe perdoou, mas o juiz não... Minha mãe disse que foi culpa da imprensa que fez o maior alarde e ele virou um tal de bode...
- Bode expiatório...
- Isso mesmo tio... Você é inteligente!
- Obrigado – meio sem jeito. Vitória, estou indo almoçar, não quer me acompanhar. Faz tempo que não tenho alguém pra conversar.
- ... Mas é que eu não tenho dinheiro... Por isso te pedi um lanche... Não gosto de pedir dinheiro, pois o povo acha que eu vou comprar droga ou coisa assim... Sei lá. E eu só quero comer, por isso se é pra pedir eu peço comida.
- Você é esperta. Então, eu pago o seu almoço e você me paga contando sobre sua vida, pode ser assim?
- Que pagamento mais estranho! Nunca vi isso.
- É pegar ou largar!
- Então eu pego tio.
Lá se foram os dois. Entraram num restaurante simples, a menina meio sem jeito, mas com muita fome, arrancou algumas gargalhadas de Aguinaldo vendo que ele mesmo colocaria bem menos no seu prato do que ela.
Mais engraçado ainda foi vê-la comer e conversar... Ela queria “pagar” seu prato a qualquer custo. Comia quase engolindo e numa pausa entre uma garfada e outra ia contando sobre sua vida. Seus sonhos. E tudo mais...
Aguinaldo quase não falava nada. Apenas ouvia, pensava, refletia e observava. Aquela menina desconhecida até então poderia ser sua filha. Filha? Ele nem se casara, nem tinha uma companheira. Não tinha parentes próximos... Não tinha amigos de verdade, a não ser aqueles que ele encontrava nas ruas falando e fazendo as mesmas coisas bobas de sempre...
Tinha um bom emprego nosso amigo... Tinha várias coisas, carro, casa, dinheiro no banco. Ele ali, vendo aquela menina pensou: “não tenho nada. Como pode ser isso? Daria tudo pra ter uma vida, uma família, uma mãe como a de Vitória, que além de mãe, era uma batalhadora para criar seus filhos sozinha, sem nenhum arrimo”.
De repente, um raio chega à mente de Aguinaldo em forma de pensamento. Sim, ele passaria a ajudar aquela família.
Acabaram de comer. Aguinaldo ainda deixou que Vitória comesse uma sobremesa e pediu para fazer quatro marmitas para que ela levasse pra casa.
- Isso tudo tio? Mas eu não posso pagar.
- É um presente Vitória. Aliás, você me deu muito mais do que estou lhe dando. Aqui está meu telefone e endereço da minha empresa. Pede pra sua mãe me procurar amanhã.
Vitória ficou sem entender e nem deu muita “bola” pra isso, pois ela só pensava na comida que ela teria para se alimentar a noite. Ah! Poder jantar era um sonho...
Aguinaldo ainda deu um dinheiro para que ela voltasse de ônibus pra casa e comprasse alguma coisa no supermercado.
Enquanto ela ia saindo feliz, ele pensou: “estou ficando velho ou bobo... Talvez os dois. O que deu em mim? Ajudar uma menina do nada... Mas nunca me senti tão bem na vida! Deveria ter pegado o endereço dela. Quem sabe não poderia ajudar mais? E se a mãe dela não o viesse procurar...
Naquele final de dia, Aguinaldo parecia estar em outro mundo. Foi pra casa, não conseguiu pregar os olhos. No outro dia, esperou, esperou... Saiu para almoçar na esperança de ver a garota novamente... mas nada. Já no fim do dia, enquanto saía para casa uma jovem senhora lhe procura na recepção ao lado de uma garotinha. É Vitória e sua mãe.
Ele pede pra senhora entrar e os dois conversam, uma simpatia surge rapidamente. Aguinaldo lhe oferece um emprego. Adianta o salário e oferece algumas coisas extras, uma cesta básica...
Assim, passa a ajudar aquela família. Com o tempo pede a permissão à mãe que ele pudesse cuidar do ensino dos filhos e da menina Vitória. Todos agora estudam, inclusive a mãe.
A família agora feliz, passa a ajudar também outras famílias vizinhas e com grandes problemas de falta de recursos. Aguinaldo que passara a visitar a casa de suas protegidas se condói da situação dos que lá estavam com dificuldades e também passa a ajudá-los aos poucos. Com o tempo se torna benfeitor de toda uma comunidade.
A cada vez que ajuda, mais recebe. Com os anos percebe que agora tem uma família querida à sua volta. Tem amigos que nunca supusera conquistar. Amigos que daria suas vidas pelo bem e felicidade de nosso irmão.
Alguns anos mais tarde, Vitória, uma mulher linda, surge à porta do escritório de seu amigo Aguinaldo. Agora ela é gerente administrativa da empresa do seu benfeitor. Estudara, se formara e agora, prestes a se casar, com um belo sorriso no rosto lhe estende um envelope diferente, como se fosse um convite. E realmente o era.
- O que é isso minha “menina”?
- Golpe baixo hein “tio”?
- Tudo bem, desculpe Vitória. Mas o que é isso?
- Abra e veja – diz sorrindo.
- Não acredito! Que maravilha minha me...Vitória! – seus olhos ficam marejados...
Ele recebe um convite para o casamento de sua afilhada. Mais do que isso. Ela o pede para que entre com ela e caminhe até o altar! Aquele era o dia mais bonito de toda sua vida até então.
A vida seguiu seu curso. Vitória casou-se, seus irmãos também... Outros afilhados de Aguinaldo seguiram suas vidas, auxiliados pelo benfeitor. Entretanto, veio a velhice, as doenças...
Com elas, vieram os cuidados. E para a surpresa de nosso amigo, a mesma menina, agora mãe não saía de perto do convalescente, ou melhor, moribundo... Nos últimos suspiros ele fala à ela:
- Minha Vitória... Minha querida amiga... Não tenho mais ninguém nesta vida...
- Não se esforce tanto “tio”...
- Não se preocupe filha, a hora já está chegando, mas não temo a morte. Até porque sabemos que ela não existe não é ...?
- Sim – quase sem conseguir segurar o choro.
- Eu tenho dois desejos antes de ir...
- Quais? – pergunta surpresa e agoniada...
- O primeiro é que nunca me casei, nunca tive filhos de meu sangue, mas tenho muitos que acolhi com carinho. A primeira delas foi você minha querida. Seria maravilhoso se você pudesse me chamar de pai.
-...É claro Paizinho! Nunca chamei antes por respeito. Mas te tenho como meu segundo pai. Tenho certeza que meu pai que se foi lhe mandou para cuidar de mim naqueles dias de fome e tristeza.
Aguinaldo sente-se o homem mais feliz do mundo. E respirando com dificuldade e um pouco mais de dor no peito lhe chega, mas se esforça para conseguir falar o segundo desejo.
- Que bom minha filha! Por fim, como filha do meu coração que agora és, eu lhe deixo os meus bens conquistados com a ajuda de teu trabalho pra você e toda a comunidade...
- Como? Não posso aceitar paizinho!
- É claro que pode minha filha. É meu pedido. Até porque, quem cuidará deste povo que ainda precisa de um arrimo? Eu já não posso mais. Mas você sim... Você, minha filha, e teu querido esposo, teus filhos... Não lhe faltarão recursos, você sabe disso! É o mínimo que posso fazer por vocês! Deixar tudo que tenho... Principalmente meu carinho...e meu agradecimento...
- Agradecimento...?
- Sim... Minha filha. Se naquele dia eu a ajudei lhe dando de comer, matando sua fome. Você me deu muito mais. Matou-me a fome de amor que eu sentia há muito! Tudo o que lhe deixo ainda é pouco... Gostaria de lhe dar mais. Contudo deixo meu afeto e meu amor de gratidão por ti...
Aguinaldo não aguentara mais... Saiu desta vida com um sorriso sereno nos lábios... Vivera como cristão, como filho de Deus. Tudo começou com um prato de comida.
Mais tarde, na vida maior, soubera que Vitória era companheira de outras eras. Em várias ocasiões fora sua filha de sangue.
Quando soube disso, ficou a pensar... E se naquele dia, simplesmente tivesse falado, “desculpe pequena, mas não tenho nada agora...” e virasse as costas... Um calafrio lhe percorreu o corpo... Estremeceu... Teria perdido sua vida...
Sim, meus filhos. Muitas vezes perdemos nossas vidas em momentos cruciais. É preciso estar mais atento às circunstâncias e ao coração. A vida é simples assim...Desta forma, teremos paz e saberia para não cair tropeçando nos próprios pés do egoísmo que cultivamos...
Obrigado! Jesair Pedinte – 13.07.11
Filho, por hoje ficaremos por aqui. Reflita sobre essa história e passe adiante. Que Deus abençoe seu coração! Muito obrigado! Boa noite! Jesair e amigos.
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