Fábula da Víbora

Era uma vez uma pequena víbora. Com poucos dias de nascimento tornou-se uma pequena cobrinha. Ela não tinha braços, nem pernas, mas podia se arrastar em meio ao terreno com ou sem palha, deslizando com movimentos tortos e rápidos, quiça lentos ou quase parados.

Com poucos dias a cobrinha já mostrava algumas presas pontiagudas que faziam temer a qualquer um... Ainda muito pequena não entendia o que ao certo acontecia. Ela tentava se aproximar de um ou outro bichinho para conversar e brincar e mal a avistavam saíam em debandada... A víbora ainda pequena sentia-se pouco amada. Voltava chorando ao seu lar onde a mãe pouco ouvido lhe dava. Dizia que como víbora não devia se misturar. Eram rainhas temidas de um baixo e escuro reino. Mas a viborazinha não queria ser temida, apenas amada. E todas as manhãs lá estava ela procurando numa escapadela, amigos que não temessem o que ela representava.

Pobre amiguinha... Nem pintada conseguia fazer que os bichinhos acreditassem nela! E com o tempo, a pobre víbora tornou-se amarga e na melhor acepção da palavra passou a ser fria e bela. Sem qualquer compaixão ou perdão, passou a reinar como sua antiga mãe, que já se fora há tempos de outras eras... Os animais que antes corriam e temiam-na, agora mais e mais tinham motivos para não se descuidarem dela. Era ágil e nada a impedia de conquistar sua presa fácil! No entanto, num dia quente e belo, ela para e olha uma pequena víbora que como ela fora andar um dia entre os bichos. Lembranças vieram daquele passado longínquo e triste. E acercando-se da pequenina disse:

- O que procura minha pequena?
- Oh, D. Víbora... Procuro amigos pra brincar.
- Onde estão seus irmãos?
- Eles foram caçar... Não quero caçar, quero brincar...
- Não seja boba minha pequena. Brincar é para fracos. Você deve ser como seus irmãos a caçar, pois somos cobras e temos que se fazer respeitar.
- Mas porque tenho que matar?
- Por que é da nossa natureza?
- Mas a minha não é de matar e sim de conquistar sorrisos...
- Não fale bobeiras. Eu também já fui assim, mas não adianta. Todos nos temem por que somos víboras!
- Não concordo! Nos temem por que os tememos mais! Quem faz mal é porque teme a quem ataca.
- Fala isso minha pequena, por que ainda não viveu nada.

Nisso a pequena víbora parou a olhar um ratinho selvagem. Lepidamente se aproximou e o rato assustou... Mas não correu... Parado... Só tremeu. A viborazinha teria os ratos nas “mãos”, se as tivesse. Mas ao contrário de sua natureza não o atacou, apenas roçou, acariciou o assustado amigo e disse:

- Não tema! Sou diferente das demais. Quero apenas fazer amigos sem qualquer prejuízo! Vou indo para não assustá-lo mais. Todos os dias, estarei aqui para provar que não sou como as outras!

A pequena foi embora e a grande víbora não acreditara... Porque não fizera o mesmo quando pequena? Decidiu voltar no outro dia para acompanhar o desenrolar da história. Por vários dias a pequenina voltou e só acariciava e roçava o ratinho que tremendo, quieto ficava! Com os dias passando, o rato foi perdendo o medo e aqueles dois novos amigos aparecem do nada... A floresta não acreditava.

A grande víbora sentia-se derrotada. Tudo o que vivera até então era só ilusão? Por que não fizera antes algo assim? Mas para a surpresa desta última. Certo dia a pequena víbora ia contente para o encontro com o seu amigo rato selvagem. E quando se aproximava do amigo, veio uma águia e logo com a pequena já voava entre as garras afiadas... Pobre pequena, agora já não podia nada. E antes de partir, olhou nos olhos da grande víbora que a acompanhava como a dizer: “sim, eu me vou, mas de consciência limpa e alma lavada”! Dali em diante a grande víbora não mais matara, apenas defendia-se perante os perigos que não mais buscava. Aprendera o certo sofrendo sentida perda...

Nem sempre é fácil fazer o que é certo, pois o mundo cobra-nos e trata-nos como selvagens. A mudança é necessária, mas só a buscam “os que têm puro o coração” e sabem enfrentar os ditames da ilusão!

Sodré, o ritmista – 05.10.11

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