Um Dia Especial

Era o primeiro dia da primavera. Como logo se imagina, muitas flores, natureza em seu esplendor de exuberância e beleza! Flora e fauna vivendo momentos de alegria e realeza... Crianças correndo e brincando, pais alegres ao verem seus rebentos felizes. Toda uma atmosfera sublime criada pela união e tranquillidade.

Entretanto uma família passava. Eram três vidas em desarmonia perante aquele quadro alegre. Culpa deles. Poderia até ser, mas isto não indicava que assim deveria permanecer. Esquálidos, em farrapos, tanto físico, quanto moral. Duas crianças e uma mãe de olhar triste, longe e angustiado olhava aquele quadro como surreal. Inalcançável! Simplesmente um sonho bom demais para ser vivido e nem mesmo imaginado.

Ora, a vida nunca lhe sorrira para lhe indicar um momento como aquele, por que poderia ter esse direito de sonhar? Era melhor manter os pés firmes, mesmo que trêmulos de fome... Vergonhosamente. Humildemente e quase sem coragem de assim proceder. Aquela mulher, corajosa dispôs-se a choramingar por auxílio. Não por ela que já estava acostumada, mas pelos filhos pequenos.

Observada com desconfiança, medo e muito preconceito, aquela mulher quase podia “escutar” os pensamentos condenatórios dos que a ouviam e “dardejavam-na” com olhares maldosos! No mínimo era uma enganadora, aproveitadora da condição de ter duas crianças para poder comer de graça. Esse era o pensamento mais humano direcionado a esta mãe desesperada.

Como podemos ser cruéis, mesmo sem articular palavra alguma... Mas mesmo assim, Clarissa não desistia de seu intento, precisava alimentar os seus filhos, pois não aguentava mais vê-los chorar de fome.

Lá estava ela, num grande parque da cidade. Rodeado de prédios maravilhosos arquitetonicamente. Com famílias abastadas aproveitando daquele paraíso urbano. E nada... Nenhum sentimento de caridade ou pelo menos de comiseração...

Apenas repulsa... Quase sem forças, mais humilhada se sentira. De onde havia tirado da cabeça esta ideia de que lá poderia conseguir algo diferente naquele dia? Mas fora uma vontade tão forte que ela parecia ter sido guiada até lá... Ao menos a paisagem era bonita e os meninos até se distraíam um pouco diante daquela beleza. Até conseguiam brincar, ver um lago, brinquedos infantis, e tantas outras atrações do parque...

Havia cometido um erro, tinha certeza. Pois aquilo era reduto dos bacanas do mundo. Ela era de outro mundo e agora sabia perfeitamente disto.

Olhou para o alto, sorriu de si mesma e pediu a Deus que lhe perdoasse, mas ela devia ter se enganado desta vez, pois sempre que sentia algo assim, era como se fosse guiada para obter algum auxílio. Desta vez não, tinha certeza que se enganara!

Contudo, a Providência Divina nunca se engana. Por mais que as aparências, por mais que o mundo material seja frio e desumano, preocupado apenas com o próprio umbigo, longe de qualquer sentimento fraterno, há sempre uma minoria que consegue resistir às influências do meio e fazer o que lhe cabe.

Uma senhora caminhava com seus dois netos, ao parar para comprar-lhes pipoca, os mesmos saíram correndo brincando um com o outro até esbarrarem com os filhos de Clarissa. Foi um encontrão de cabeça! Os dois meninos caíram chorando e as meninas foram acudir os seus irmãos. A mãe dos meninos preocupada já se preparava para sair correndo com medo do que poderiam fazer com eles, simples mendigos quando a vó se aproximou com um olhar acolhedor.

- Tadinhos! Que trombada hein? Tudo bem com você Pedro?

Dando uma de “homenzinho” Pedro parou de chorar e afirmou que sim.

- E com você meu amiguinho? Machucou? Desculpe meu neto, tem hora que ele é muito desajeitado.

Pedro sorri para o garoto e o ajuda a levantar. Clarissa fica receosa, olhando a cena sem graça. Maria, a avó dos meninos sorri para Clarissa e diz naturalmente:

- São lindos! São seus?

- Sim minha Senhora...

- Oh, não! Nada de senhora. Assim pareço ter uns 80. Ainda estou na primavera de meus 62 anos...rs

- ...Desculpe, não quis ofendê-la...

- Não me ofendeu. Pelo contrário. Estava pensando aqui. Meus netos são da mesma idade dos seus filhos e pelo que estou vendo, tem uma simpatia natural entre eles. Vocês não querem comer uma pipoca, tomar um sorvete ou comer alguma coisa não?

- É... não podemos... – Clarissa, segurando as lágrimas tenta continuar – não tenho como pagar. Vim aqui não sei por que... Estava com a esperança de acontecer algo diferente...

Os seus filhos, conhecendo a mãe, arregalaram os olhos desejando aceitar o convite, mas não ousavam enquanto ela não o fizesse. Maria compreendendo bem a situação e de forma bem natural diz:

- Então sua intuição estava certa! Nós devemos ser o “algo diferente” que era pra acontecer. Eu não acredito em acaso minha amiga! Aliás, qual é seu nome?

- Clarissa...

- Que lindo! É o nome da mãe destes meus netos!

Clarissa dá um sorriso pela primeira vez...

- Então minha amiga Clarissa! Eu os convido para passear conosco aqui neste parque e comermos algo. Aí você vai me contando sobre você, seus filhos, se não se importar...

- Desculpe senh... Dona Maria... Não posso aceitar.

- Mas deve minha amiga, Deus com certeza nos direcionou para estar com vocês hoje. Se não é por você, que seja por seus filhos – respondeu com semblante alegre e dando uma piscadinha amigável...

- Tudo bem...

Um “obaaa” foi o que escutaram logo em seguida! Das quatro crianças que já saíram correndo e brincando logo a frente das duas mulheres...

Maria voltou no pipoqueiro e comprou seis pipocas, quatro de doce, pois as crianças só viam as pipocas coloridas como a primavera!

Entre uma parada para um sorvete e um sanduíche, a senhora “apertava” Clarissa com muito carinho, como uma mãe para que ela lhe falasse sobre seus dramas. Alguma coisa dizia que aquela jovem era importante pra ela, de alguma forma. Queria ajuda-la ao máximo.

As crianças brincavam, as mulheres conversavam. Lágrimas escorriam dos seus olhos, mas também sorrisos surgiam. Era uma afinidade espontânea que não podia ser mais natural!

No entanto, já era hora de retornar e levar os netos à filha. Num ímpeto, Maria convidou Clarissa e seus filhos para irem com ela. Aposentada, viúva e morando sozinha numa casa grande disse que precisava de uma companhia agradável para estar vivendo com ela.

Loucura! Nunca fizera algo assim na vida. Era um risco! O que sua família iria falar sobre isso? Era perigoso diriam! Mas como perigoso, se ela tinha a certeza em seu coração que deveria agir assim? Orou a Deus e entregou suas preocupações íntimas e de forma convincente, talvez aproveitando a velocidade dos fatos conseguiu convencer a mãe que se perguntava se aquilo era verdadeiro ou estava também ficando doida? E se aquela mulher quisesse roubar seus filhos? E se tudo aquilo fosse um jogo? Uma peça do destino?...Muitas perguntas que só eram aliviadas pela mesma intuição que lhe levara até aquele local, naquele dia...

Entraram no carro. Maria foi com seus novos visitantes levar os netos à casa da filha. Apresentou a nova família como sendo uma contratação de uma empregada para aquela casa grande. Tinha sido indicada por uma grande amiga...  Incrivelmente, as coisas foram se encaixando e qualquer sentimento contrário dos familiares foi desfeito.

Dali em diante Clarissa, Henrique e Gabriela (seus filhos) passaram a morar com Dona Maria. Esta contratou a jovem para ser empregada de sua residência. Contudo, ela colocou a condição da jovem estudar em um período e trabalhar no outro. Assim como os filhos.

Tudo aconteceu muito rápido. Logo eram uma nova família. Alguns estranhavam aquilo. Não eram a empregada e seus filhos? Que coisa estranha? Deveria ficar em seus lugares pensavam alguns hipócritas. Não é preciso falar mais nada. O desfecho de suas vidas é fácil de imaginar.

Clarissa se tornara uma segunda filha para Maria. Aliás, foi adotada como tal não só por esta, mas pela filha de sangue e seu esposo. Tornara-se a tia adotiva de Pedro e Vitória. Alma abençoada e que estava sempre ao lado da nova mãe. Estudara, se formara e auxiliara os seus filhos, e também seus sobrinhos do coração! Alma boa e disposta a servir, estava sempre de prontidão a auxiliar. Sempre dizia: “não faço mais que minha obrigação, hoje sou alguém, devo tudo a esta família”.

Mal sabia Clarissa que na verdade ela já pertencera a esta família em outra vida. Por isso aquela simpatia inexplicável à primeira vista! Por isso o carinho e a aceitação natural de todos. Como ela precisava resgatar alguns erros, nasceu em outro berço, mas os corações continuavam ligados. Com o aprendizado das provas de sacrifício e amor, Clarissa reconquistou seu lugar na família espiritual.

Seguiu firme e grata até o fim. Diferente daquela outra vida que não soube agradecer o que tinha. Entretanto, fez mais. Depois da morte de sua querida mãe adotiva, buscou auxiliar, como advogada que se tornara, as famílias sem condições. Encaminhava e atendia gratuitamente todas as manhãs seus clientes sem posses materiais com o mesmo afinco e dedicação de seus clientes ricos. Mas não parava por aí. Fazia chá beneficentes, arrecadações para auxiliar, atender as famílias de mães e pais solteiros.

Tudo inspirado pela mãe agora na espiritualidade. Quantas bênçãos espalhadas. Tudo porque os nossos personagens se deixaram guiar pelas intuições recebidas. Analise dentro de ti quais são as intuições que lhe chegam a cada instante. Quantas vezes deveríamos auxiliar, mas não ouvimos a nossa alma falar. Será que ficaríamos felizes em dizer não a um pai amoroso de uma encarnação anterior? Ao amor de nossas vidas passadas que nos procura? Não pensem que Deus não permitiria algo assim, pois a culpa não é Dele, e sim nossa!

Temos que pensar sobre nossa responsabilidade, sobre as oportunidades de fazer o bem. Este nos leva à melhor escolha que muitas vezes é uma prova que pedimos para percorrer. Estejamos atentos e seremos contemplados com o amor sublime!

Obrigado!
Jesair Pedinte – 08.08.11

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