Noite Estrelada

Era noite em Belém. O frio do vento batia na janela estragada e abria uma de suas abas... Uma família pobre dentro morava. Móveis simples, em uma cama quase apodrecida repousavam um homem, uma mulher e uma criança adotada...
Essa havia sido abandonada na porta daquele casal que sempre sonhara em ter um rebento, o qual a vida nunca lhes dava... De repente, como num passe de mágica, num milagre inesperado, numa noite como aquela, com vento frio e gelado, forte e a princípio assustador, aquele presente chegara.
Havia se passado então cinco anos que o bebê chegara e nossos amigos ainda sofridos permaneciam na mesma companhia e estrada... Porém, apesar da pobreza e simplicidade, a alegria ali era constante e sempre transbordava. Muitos os invejavam.
A maledicência da vizinhança imperava. Absurdas histórias eram contadas, até mesmo que o casal raptara o menino a fim de realizar o sonho de serem pais... Eles sabiam dos insultos, mas em sua simplicidade de vida, preferiram optar por serem felizes com o que o Criador lhes ofertara. Percebiam que um dia o presente de Deus teria que voar pelo mundo afora, sem que pudessem juntos estar em benditas horas.
O menino crescera com bons modos e educação, amigos fizera. Dono de uma beleza física e inteligência incrível. Com um sorriso belo no rosto, inteligência em desculpar as faltas alheias ou ignorava-as como se não as percebesse, conquistou o direito de ser um homem benquisto por autoridades da cidade que o convidara para ser então coletor de impostos.
Aceitou receoso, mas logo percebeu que não poderia ali ficar por muito tempo, principalmente quando soube da história de Zaqueu, como ele, um coletor... Assim que soubera daquela história mágica ao seu coração, contara aos pais que não podia mais ali permanecer. Deveria ir atrás do Mestre aprender, embora não quisesse deixá-los a mercê da sorte nem sempre presente e grata diante de novos alvoreceres!
Então, recordou das economias de todo o tempo que havia trabalhado, desde a sua adolescência até aos poucos meses como coletor. Ofertou tudo a seus pais, conquanto lacrimosos, sabiam que aquela era a hora da liberdade. Sabiam que o “empréstimo” de Deus havia ali terminado. Eles fizeram o que lhes cabiam. Educaram o jovem para a vida, para o bem e a máxima dignidade. Agora o filho que chegara naquela noite de vento frio iria embora numa noite de vento tão gélido quanto aquela...
“Não posso esperar amanhecer, caso contrário, os passos do Mestre poderei perder”. Foi-se tão repentinamente quanto chegou. Embora tristes, gratos os pais do jovem elevaram uma prece ao Criador pedindo proteção à joia confiada à eles anos distantes.
Nunca mais eles puderam ver o filho do coração no corpo da carne. Noutra noite gélida como tantas outras as quais passaram junto na mesma cama velha para se aquecerem, uma luz calorosa adentrou na casinha dos agora velhos pais... Acordou-os mansamente, aquecendo seus corpos e corações. Aos poucos uma forma humana lhes aparecera... Era o filho amado a lhes sorrir e dizer: “Hoje voltei à casa de Abraão banhado pelas bênçãos do Carpinteiro de Nazaré, Jesus, o Cristo de Deus”.
Antes mesmo que os pais lamentassem e chorassem a morte do corpo do filho querido ele continuou: “não chorem, ajudem outras crianças como fui ajudado um dia e Deus sempre nos permitirá vermos uns aos outros, até o fim de nossos dias. Não duvidem e tenham fé como sempre tive em vocês meus queridos pais! Deixem este lar e procurem um local distante. Quando lá chegarem Deus lhes dirá onde devem ficar”.
Os pais saíram na manhã seguinte com pequena trouxa e a economia do filho intacta, pois pensavam que um dia ele voltaria de forma diferente. Andaram por dias e de repente, à beira de uma estrada, próximo a um sicômoro viram o filho a lhes sorrir, apontando um morro logo a frente: “é aqui”.
Confiantes os pais estacaram os passos e com fé armaram pequena barraca após limpeza do ambiente com trabalho eficiente ao retirar as pragas e matos existentes! Nos dias seguintes, esperançosos de ver novamente a figura do filho, tiveram seus planos decepcionados pelo silêncio divino, cortado apenas pelo trabalho árduo na construção daquela casa de Deus no meio do nada... Por uma semana limparam, construíram e foram se adaptando à vida nova... O mais estranho? Nenhum viajante por ali passara depois da chegada dos pais em plena alvorada.
Foi somente quando terminaram de construir um verdadeiro lar para todos que ali desejassem se refazer do cansaço; que estariam prontos para ouvir e acolher, servir e ensinar o Evangelho a todo ser. Apenas depois de tudo isso é que os primeiros viajantes começaram a passar, mas nada de crianças.
Será que não teriam se enganado? Haviam visto mesmo o filho ou teria sido uma ilusão devido a saudade e velhice? Passaram-se vários dias, quando de repente, numa noite estrelada, um casal com um filho surgiu à porta da pequena habitação procurando abrigo e auxílio. O filhinho que ainda era de colo estava à beira da morte do corpo. Inspirados pelo próprio filho desencarnado e pela vontade de servir e auxiliar, os conhecimentos e experiências de vida até então, buscaram nas redondezas alguns tipos de raízes e folhas medicinais para preparar chá e remédio a fim de combater a enfermidade que acreditavam tomar conta do rebento ainda quase recém-nascido.
Cuidaram da criança e deram apoio aos pais com tanto carinho durante os dias que ali permaneceram combatendo a doença, felizes ficaram após a melhora da criança, embora ainda fragilizada. Os pais quiseram retribuir com joias, mas os velhinhos não aceitaram. Com o tempo foram aparecendo mais pais. Alguns muito jovens e inexperientes, sem casa, sem rumo. Estes iam sendo acolhidos pelos pais de nosso querido amigo, os quais aumentavam a casinha com alegria e vontade de servir e auxiliar agradecendo a oportunidade do Ser Divino!
Certo dia um mensageiro deixou um baú, quando as coisas iam se complicando devido ao número crescente de pessoas no lar que acolhia crianças e pais desventurados. Já faltava comida e o inverno logo já apareceria... No baú felizmente existia grande quantia enviada pelo primeiro casal auxiliado, que em forma de gratidão enviara o numerário. Com a quantia do filho, tiveram o suficiente para comprar mantimentos e roupas quentes para todos durante o inverno.
Novos dias chegaram, como outros pais e mães solitários ou tendo apenas o amor que sentiam, sem nenhum bem do mundo. Eram mãos estendidas que chegavam agoniadas para serem então confortadas. Eram pobres almas que sentiam-se abandonadas.
Pobrezinhas não sabiam que Deus os olhava e os encaminhavam a filhos afortunados de amor e fé pelo exemplo de outro filho que confiou e teve mais fé no Cristo de Deus. Logo porém, compreendiam, que abandonados nunca ficariam. Sorrisos agradecidos surgiam e a gratidão eterna brotava aos poucos em laços de alegria, agradecimento e boa sintonia!
Em pouco tempo, o que era uma casa, virou um grande casarão. O quintal ganhou hortas e animais para criação. Além de um espaço para diversão. Com o tempo houve também um local para o aprendizado e educação: corpo e alma tratados como massa de modelar. Os artífices? Os velhinhos bondosos inspirados pelo filho, abençoado pelo próprio Cristo, comandava e intuía as ações benéficas dos genitores e seus companheiros! Pois muitos ali chegaram e não mais saíram, conquistados pelo amor que ali era distribuído!
Foram mais de duas décadas de muito esforço, trabalho, sacrifícios, perseguições dos inimigos do Cristo, aliás, das suas ideias, pois Jesus não tinha adversários, apenas os que não o compreendiam! Ao findar este tempo, chegou o momento do reencontro merecido.
Foi numa noite estrelada, como aquela muitos anos atrás! Só que desta vez quem recebeu o presente foi o filho... De braços abertos, coração alegre e vontade de oferecer todo amor que o mundo não lhe permitiu demonstrar quando quis, estava ele a receber seus pais. Correu até eles, abençoou-os estreitando em seu coração carinhosamente, beijando suas frontes, acolhendo com extremo carinho... Gratidão e reconhecimento, por tudo que havia um dia recebido!
Foi assim, que noutra noite estrelada, dois anônimos seguidores do Evangelho de Jesus reencontraram alma querida que há muito não viam, mas sentiam! Imaginem a alegria que lhes invadiu o íntimo! É o reconhecimento dos justos!

Wellington e Sodré, agradecidos pelo relato de belos amigos – 25.08.14, psicografado por Jerônimo Marques.

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