Anos nas Ruas
Muitos somos nós, os viventes das ruas... Muitos são os sofrimentos e emergências que percorremos entre marquises, calçadas, asfaltos e estruturas frias de uma cidade grande. Aliás, muito fria se mostra quando além do frio do tempo nos meses de maio e junho, torna-se ainda maior quando pedimos por caridade um auxílio para amenizar a fome e a falta de abrigo e aquecimento.
O olhar indiferente, o recuo assustado, o olhar acusador, as vibrações pesadas que recebemos apenas por não termos um teto. É como se escutássemos os maiores impropérios que aqui não nos cabe dizer ou repetir, pois todos sabem o que se diz de pessoas assim, viventes das ruas.
Os anos que passei na rua foram momentos de dor e sofrimento, mas também de muito aprendizado. Quanta humildade consegui cultivar. Quanto respeito próprio e sobretudo a Deus consegui amealhar! Quanto perdão consegui exercitar! Quantos maus julgamentos passei a não mais realizar, pois sabia na pele o que era ser julgado erroneamente!
Por que estive todos estes anos nas ruas? Foi por que era preguiçoso? Não queria ter alguém da família por perto? Não! Perdi tudo numa tragédia familiar. Casa, família, esposa, filhos. Enfim, perdi meus bens, perdi a saúde e consequentemente o emprego por não poder oferecer meus braços antes fortes em favor do trabalho honesto e humilde. Tive oportunidade de partir para o crime e ter novamente posses, mas recusei. Tive oportunidade de matar e enganar, mas resolvi não me revoltar! Vivi procurando não ser peso para ninguém... Só que para a sociedade sempre o fui. Mal visto, mal fadado, mal olhado.
Enquanto as pessoas me julgavam pela aparência humilde e até mesmo infeliz pela falta de recursos, o pouco que conseguia ter e amealhar com meus próprios esforços, dividia entre os companheiros de desdita. Alguns sim, estavam ali porque queriam, porque não queriam nada com a vida... Mas o que isso importava para mim? Também não sofriam da sua forma? Não viviam mal como eu? Não eram rejeitados e infelizes?
Aprendi muito no tempo que nas ruas vivi. Todos aqueles anos me ensinaram a valorizar cada momento, cada oportunidade, cada ente querido, cada auxílio! Quando saí das ruas, não me afastei delas. Continuei assistindo com o pouco que tinha. Ainda hoje, depois de desencarnar, voltei às ruas como se fosse um samaritano, guiado por irmãos maiores, melhores e mais experientes, mas ao mesmo tempo mais caridosos do que todos aqueles que um dia se julgaram melhores do que nós, os sem tetos da vida.
Até quando a humanidade acreditará que os bens do mundo é que ditarão os aspectos evolutivos da humanidade? Enquanto este engodo não desaparecer do coração humano, continuaremos perdidos no meio do caminho.
Muita paz! Wellington – 22.05.12
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