Samba para Deus
Vinha Aderbal cantarolando na
rua da favela, com sua roupa de sambista completa. Calça branca, camiseta
listrada na horizontal em branco e azul turquesa, cavaquinho numa mão em que
ele dedilhava baixinho uma nova música que lhe vinha à mente naquele instante.
Era ele um homem comum que
nas horas vagas gostava de levar alegria onde estivesse, não importasse onde.
Nos finais de semana encontrava com os amigos e os acompanhava, não na bebida,
pois nunca gostara, mas na alegria de cantar e dançar o samba! Este ritmo era a
seu ver, obra divina, que leva alegria e felicidade plena a todo ser. Quando
cantava e tocava Aderbal podia sentir a presença divina ao seu lado. Compunha
inúmeras melodias neste ritmo alegre e contagiante, suas letras exaltavam
sempre o sambista malandro, mas bondoso. De coração aberto e pronto para
auxiliar quem quer que seja!
Naquela noite, ele voltava de
uma roda de samba e mais cedo, ele havia cantado e tocado para uma velhinha
doente que como ele amava este ritmo musical... Ela o havia olhado com muito
carinho e gratidão. Há muito não sorria e já desistira da vida. Dizem que
quando Aderbal saiu, sua alegria ficou na casa e junto à senhora que voltou a
querer viver e lutar, algo que sua família não podia mais acreditar que tal voltasse
a acontecer... Aderbal vinha relembrando o fato. Gostava de ajudar sempre.
Tinha lá seus defeitos, mas suas virtudes eram patentes a olhos vistos! Quando alguém
lhe estendia a mão, a primeira coisa a fazer era oferecer um sorriso largo e farto!
Depois recebia de volta um aperto de mão e perguntava com alegria: “em que
posso lhe ajudar?”. Não era uma pergunta retórica e banal, sem emoção e
sentimento. Era verdadeira e cheia de consciência, vontade de auxílio real!
Nosso amigo beirava a casa
dos cinquenta anos de idade. Não tinha filhos, sua esposa havia falecido há poucos
anos. Fora a única vez que o viram triste de alguma forma. Mas até mesmo no
enterro da amada mulher, ele cantou um samba de saudade, suave e terno, amoroso
e belo! Enfim... Ele vinha descendo a rua rumo ao lar o qual acolhera seus
pensamentos, ideias e alegrias a todo o momento desde sua infância. Lar este
que havia pertencido à velha mãe e ao velho pai – quando completara quinze anos.
Mesmo diante dos embates e
dificuldades da vida, Aderbal até então vencera sóbrio, alegre e como um
verdadeiro soldado de luz, em meio a um ambiente tenso, viciado e de difícil
superação, embora muitos outros companheiros de nosso amigo fossem como ele.
Mas é aquela velha história, os bons muitas vezes são tímidos e ficam
reprimidos por uma minoria ousada e má... E foram alguns desta minoria que
abordaram Aderbal aquela noite para roubar seu cavaquinho a fim de vender e
comprar as “necessárias” drogas a fim de consumir novamente. Ainda num momento
trágico, nosso sambista alegre falou que não precisavam daquilo, bastava levar
o que queriam, mas não se esquecessem do Ser Divino...
Dominados por forças
estranhas, os três bandidos, tomaram não só o instrumento, como o direito de
Aderbal viver sem auxílio do próximo dali para frente. Espancaram-no e deixaram-no
semimorto à beira da calçada inconsciente... Apenas no outro dia, um amigo
passando cedinho em direção ao trabalho viu e reconheceu Aderbal. Imediatamente
chamou por ajuda e levou-o ao hospital... A notícia veio rápido... Ele ficaria
tetraplégico... dias depois acordou e soube do seu estado...
Amigos aflitos não sabiam o
que fazer, mas Aderbal sorriu uma vez mais e disse: ainda posso pensar e
cantar? Quem canta seus males espanta! Foi deste jeito que viveu por mais quase
quinze anos. Auxiliado por amigos sinceros, levou alegria e luz com sua arte!
Cantou e foi exemplo sincero a muitos humanos! Incentivou a muitos que tinham o
corpo perfeito a persistirem no bom caminho! Incentivou a outros tantos os
quais estavam doentes, mutilados, amputados a não desistirem...
Ele era sambista e sempre que
podia cantava os sambas de incentivo à paz, alegria e agradecimento a Deus! Quando
alguém não gostava de samba, ele arriscava outros ritmos para alegrar as
pessoas. As dificuldades materiais foram muitas... Mas sua perseverança e
alegria sempre atraía as pessoas a estarem ao lado dele, auxiliando-o no que
fosse preciso...
Num certo dia foi dormir após
o almoço em que cantara e alegrara seus mais queridos amigos e também as
crianças numa creche a qual os recebera num dia de festa. Seu corpo adormeceu
para não mais acordar, deixando a mensagem de fé, persistência, alegria, amor,
para os que lhe viram viver e deste lado o recebemos com efusivos abraços e
congratulações! Em vez de homenageá-lo, foi ele que nos brindou com mais um
simples e belo samba o qual veio do seu coração bondoso:
“Pobre menino
Que nasceu bem negrinho
Com dentes branquinhos
Usados para um largo sorriso
Conquista a paz de viver
Em toadas alegres
De músicas várias
Da música clássica
Ou da MPB...
Mas o que ele gostava mesmo
Era do bom e velho samba
Que mexe no ritmo das batidas
Do coração!
Desde a mais tenra criança
Ao mais velhinho vovô!
Sempre falando num ritmo
acelerado
Da bondade de nosso Senhor!
E numa roda de samba
Entreguei meu coração
Em eterna emoção
Amor verdadeiro na infinita
dimensão!
Cores de diversos matizes
saíam do cavaquinho o qual ele tocava, assim como da voz e sorriso que entoava.
Uma harmonia sublime nos elevava a pensar que Deus, não importa o ritmo, está
sempre inspirando paz e amor em nossos corações! Ah! Que samba sublime! Que
música divina, ouvi naquele dia ao receber o amigo Aderbal! Quebrou
preconceitos e ensinou a muitos como eu a compreenderem que a linguagem do amor
divino é universal, não importa o tom da voz, o ritmo das cordas e batidas dos
instrumentos e do coração!
Hoje Aderbal retorna, agora
para abrir novos ares à humanidade no campo da arte! Que Deus o inspire e o abençoe
uma vez mais! Que sua alegria contagie e inspire outra vez...!
Jesair Pedinte – 20.02.15,
psicografado por Jerônimo Marques.
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