Um Sincero Momento

Era Henrique um talento. Desde menino um grande prodígio. Tocava de tudo: de violão à violino, de flauta à gaita de fole, de tambor à tamborim... Era impressionante e impressionava a tudo e todos! Acostumara desde cedo com elogios, palmas e atenções. Era endeusado o menino... Os primeiros fãs eram os pais. Depois os avós, tios, professores, colegas e outros amigos...
O menino prodígio também cantava numa voz que arrebatava os corações mais empedernidos ou distantes e incompreensíveis. Não raras vezes compunha belas músicas, mesmo não sabendo de onde vinha tanta inspiração. Afinal, não tinha o conhecimento de ter um anjo da arte ao lado dele para inspirá-lo e auxiliá-lo a materializar sua arte divina.
Antes de reencarnar, Henrique se compromissara com Hercílio, seu anjo guardião, artista de longa data e amigo inseparável de outras vidas. Os dois, em regime de parceria espiritual e material, seriam responsáveis por auxiliar a melhorar a música no país em que Henrique nasceria. Tudo fora planejado. Os pais do menino seriam músicos. Desde cedo ele seria estimulado a seguir o mesmo caminho. Não teria problemas de saúde, teria sempre a tranquilidade financeira a fim de não preocupá-lo com problemas externos e pudesse então se concentrar melhor na arte a qual iria produzir e inspirar milhões de pessoas.
Aliás, com suas músicas, as quais eram na verdade de vários espíritos que o inspiravam a fim de influenciar as pessoas a terem boas atitudes, trazendo uma nova metodologia de intuir os homens, utilizando diversos recursos e técnicas musicais antes não explorados... Enfim, tudo estava planejado! Até sua proteção espiritual seria acima da média comum às pessoas encarnadas, afinal, quanto maior é o trabalho, mais se exige dele, e sua proteção se torna mais complexa.
Desta maneira, o tempo foi passando. Nos primeiros anos, inspirado por Hercílio, os pais disciplinados conseguiram encaminhar Henrique para um bom caminho. Mas com o tempo, com o crescimento do corpo, da fama, também cresceram as ervas daninhas em seu coração. Com o desejo de ser o melhor passou a não se importar quanto a forma e conteúdo de suas mensagens, de sua arte... A falta de sintonia para ouvir os chamados, os conselhos e o auxílio de Hercílio, fosse diretamente ou por via de terceiros inspirados pelo amigo espiritual, levaram-no para caminhos equivocados... Tudo só cresceu de forma negativa.
Com o tempo o seu trabalho baseado em princípios morais, aos poucos foi se perdendo, atendendo as baixas vibrações, aos vícios seculares dele e de muitos que o rodeavam. O dinheiro fácil e farto... Tudo que fora planejado foi se perdendo em poucos anos a tal ponto que certa tarde encontramos Hercílio, esse chorava mansa, mas doloridamente a situação de seu tutelado...
- O que acontece, meu caro amigo? – perguntei.
Hercílio me contara o tal fato e no fim pedira um conselho. Antes, porém, perguntei se ele se importava de rezar ao Pai Maior e após, poderíamos, quem sabe, inspirados pelo alto, aconselhar algo sem ferir nenhum livre-arbítrio.
- Você acredita que a solução para o caso de meu querido amigo Henrique é o retorno imediato e antecipado dele à esta pátria?
- Talvez esta fosse a melhor solução... Mas será que resolveria o caso? Desencarnando neste estado, provavelmente você mesmo não teria acesso a ele... Pois a sintonia dele, pelo que devo concluir, deva estar de acordo com os irmãos em desdita e desvio moral... Acredito que a possível solução você já tenha imaginado.
- Doença ou acidente que o deixará incapacitado a fim de que reflita sobre suas atitudes...?
- Exatamente! Por hora é melhor oferecer a dificuldade, a dor para servir de choque e profunda reflexão...
Nem sempre é fácil aconselhar, mas conhecendo o caso, como conhecia de antemão, acompanhando todo o histórico dos dois amigos, sugerimos tal medida a fim de que os débitos não aumentassem mais do que já havia sido aumentado.
Dois dias depois Henrique, embriagado, conduzindo um automóvel do ano a toda velocidade perde o controle do carro e este capota. Por sorte, ele havia “ouvido” Hercílio para ao menos colocar o cinto. O que se deu, foi que sua coluna sofreu grave lesão a qual o deixou tetraplégico e com dificuldade da fala. Caso, o conselho do cinto não tivesse sido captado, provavelmente ele teria desencarnado.
Por cerca de vinte anos Henrique ainda estaria na matéria, mas após os primeiros tempos de revolta e dor moral, ele se reencontrara pelo auxílio dos verdadeiros amigos e parentes. Nunca mais pudera tocar ou cantar, tivera sequelas na fala. Mas passou a ser exemplo de força, superação e desejo de viver.
Passaram os anos. Há poucos dias, Hercílio me procurou para compartilhar sua alegria de poder receber o querido tutelado em seus braços, informou-me que o rapaz estava arrependido, triste por não ter aproveitado o seu momento, os seus talentos, contudo feliz por ter acontecido aquele acidente em sua vida. Eu apenas disse: “Deus nos dá a oportunidade de repetir a lição até passarmos de ano...”
Sorrimos os dois e saímos para ver Henrique que agora recomeçaria...

Jesair Pedinte – 24.04.15, psicografado por Jerônimo Marques.

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