O Engodo

Estava prestes a “sair pela tangente”. Precisamente no primeiro dia do ano novo de 1938, Cláudio Luiz Lacerda se esquivava de mais uma responsabilidade na Terra. Provavelmente uma das maiores: ser pai.

Dizendo a si mesmo que ainda era muito jovem, tendo “apenas” 28 anos completos, Lacerda não queria compromissos com a vida, apenas com os prazeres.

Homem elegante, sedutor e conquistador... Por que não dizer também, destruidor de sonhos das donzelas cariocas e paulistas das altas sociedades ou mesmo das classes mais subalternas?

Engravidara Flávia, uma doméstica da casa de seus pais e ameaçando-a após tentar comprá-la e esta negar-se a vender seu corpo e o seu livre-arbítrio... Possesso e ególatra, o nosso infeliz e mimado amigo, despede-se de Flávia ameaçando-a ferozmente!

- Ou retira essa... “coisa” dentro de você, ou pode escrever que além de ficar só, você irá pra rua! Prometo-te que arranjo um jeito de ser despejada daqui sem direito algum! E ai de você se querer contar que este... “negócio” aí é meu! Ai de você!

E saíra sem olhar pra trás. Deixando Flávia num turbilhão de emoções desencontradas. Ela que fora seduzida pelo rapaz que a fizera acreditar que a amava e até queria se casar com ela, depois de se entregar com verdadeiro sentimento de amor, percebera ali, naquele instante, logo após revelar sua preocupação com o coautor da nova vida vindoura. Percebeu que estava só... Conquanto, mesmo diante de tantos sentimentos adversos, lembrou-se a mãe que já se fora há um ano e a deixara só neste mundo. Pediu através de uma prece que a auxiliasse como ela o fazia quando viva! E logo foi atendida. Intuitivamente, foi tomar um banho e após isso deitou. Dormiu...

No sonho encontrara com sua mãezinha Áurea e esta disse-lhe:

- Não temas minha querida! Teu filho é alguém muito especial!  Ligado a ti desde outras eras e também ao senhor Lacerda, o pai de Cláudio. Confie, siga em frente! Nunca pense em abortar.

- Nunca pensei mãezinha! Eu já o amo muito!

- Continue amando-o! 

- Mas como farei? Grávida não poderei trabalhar.

- Converse com o Senhor Luiz Lacerda. Sem revelar-lhe que o pai do menino é o próprio filho, já que este se imiscuíra desta responsabilidade. Peça arrimo que ele te atenderá. Estaremos próximos intuindo-a e a ele também.

- Obrigada mãezinha!

- Agradeça a Deus. Agora retorne minha querida! Estarei sempre por perto! Cuide do teu filho da melhor maneira possível! Sempre!

Ao acordar, Flávia estava mais tranquila. No outro dia, quando Cláudio se ausentara e Flávia foi servir o café da tarde ao senhor Luiz, ela teve um mal estar à frente do bondoso senhor que o ampara antes que ela caísse à sua frente. Após acalmá-la começou a conversar com ela que naturalmente revelara estar grávida, apesar de chorar com medo de ser despedida.

- Mas quem é o pai minha menina?

- É um jovem que conheci, mas que me abandonou quando soube do filho. Queria que eu tirasse, mas não quero. Já o amo muito!

- Fez bem minha menina! Não tema! Aqui poderá continuar e lhe darei todo o suporte que necessitar e quando ganhar o bebê. Estará dispensada dos serviços, mas continuará aqui cuidando do seu filhinho. Depois de alguns meses, quando ele estiver maiorzinho, poderá retornar às suas atribuições e ainda continuar com o rebento próxima a ti. O que achas?

- Não tenho palavras pra agradecer-te meu senhor – caindo de joelhos...

- Não faça isso minha menina! Seria um monstro caso te deixasse desamparada. Sei como é ter um filho e cria-lo só! Infelizmente não consegui educar como gostaria meu querido Cláudio. Ainda não desisti de vê-lo um homem de bem. Mas é fraco de caráter e preocupo-me com seu futuro... Desculpe-me, não precisas ficar ouvindo um velho resmungando da vida.

- É um prazer senhor Luiz. Eu só tenho a lhe agradecer e ouvi-lo é como aprender a viver também.

- Que bom minha filha. Quando estiver de folga, pode me procurar aqui no jardim para conversar se quiser. Bem... vou deixa-la ir. Já está melhor?

- Estou sim, foi só um mal estar.

- Muito bem. Já está no fim do expediente. Sinta-se dispensada!

- Obrigada.

E assim, aos poucos cresce uma amizade entre o senhor Luiz Lacerda e Flávia, mãe de seu único neto. Ao saber que Flávia não tiraria e ficaria ainda trabalhando na casa de seu pai. Cláudio procurou seu velho pai para pedir que ela fosse mandada embora.

- Por que você quer isso meu filho? Ela será mãe! Precisa de auxílio!

- Isso aqui não é casa de caridade meu Pai! Não temos obrigação de ajudar ninguém!

- Perante Deus sim, meu querido filho! Perante Deus não podemos deixar em desamparo quem necessita!

- Isso é exploração! Você não deveria aceitar isso!

- Eu que propus a ela que ficasse. Estou fazendo isso de coração!

- Seu coração é muito mole meu pai! Essa mulherzinha está lhe enganando. Daqui a pouco vai te acusar de ser o pai. O que vão dizer os outros empregados? Ainda mais agora que você vez ou outra fica de papo com ela por aí nos jardins.

- Não estou entendendo tamanha preocupação meu filho. Ela é uma boa moça e pelo que vejo muito honesta e íntegra. Só quem criou um filho só como eu fiz contigo, após a morte de sua mãe pode entender o que esta menina está passando. 

- Você vai se arrepender disso um dia meu Pai!

- Não filho. Vou morrer com o coração em paz por ter auxiliado quando pude!

Cláudio saí intempestivamente e o pai o fica olhando e pensando: O que deu neste meu filho? Por que se preocupar com algo assim? Será que?... Não, não pode ser...

Entretanto, aquele pensamento não saíra mais de sua mente. A criança nascera e aos poucos, cada vez mais parecia confirmar suas suspeitas. Por várias ocasiões o senhor Luiz Lacerda procurara saber mais do pai do menino, mas Flávia sempre dava evasivas e muitas vezes mudava de assunto. Isso só lhe dava mais certeza de que aquele menino era seu neto. Não sabia por que, mas sentia um carinho muito grande por aquele garotinho! Inconscientemente, Luiz sabia que o conhecia. Havia sido seu querido pai em várias encarnações e agora retornava para ampliar o império empresarial de Luiz Lacerda, fundar e cuidar de várias instituições benemerentes que haviam de ser criadas alguns anos depois.

Enciumado, Cláudio vivia a repreender o pai pela conduta de se misturar com o filho de uma empregada e ainda lhe dar presentes entre outras coisas... Certo dia, enfurecido por ver seu pai com o menino no colo brincando, Cláudio saiu de carro e infelizmente sofrera um acidente vindo a ficar tetraplégico. Para sua surpresa, Flávia e Eduardo, o seu filho, tornaram-se seus enfermeiros dedicados até que cinco anos mais tarde, numa forte pneumonia ele desencarnara... No leito de morte, Cláudio finalmente confessara ao pai que Eduardo era seu filho. Arrependido, pedira perdão à Flávia e a Eduardo por ter sido tão egoísta e para o pai por não ter sido um melhor filho e ter mentido pra ele...

Deus dá as oportunidades de crescermos pelo amor, caso não saibamos aproveitá-las, Ele permite que a dor seja nossa professora. Contudo, sempre há tempo para o arrependimento e para o verdadeiro amor! Apesar de tudo, Cláudio desencarnara bem, e com seu espírito mais fortalecido para futuramente retornar a Terra agora com mais condições de servir ao próximo. Já Luiz, Flávia e Eduardo, seguiram por anos com verdadeira afinidade, sendo que Eduardo fora registrado como filho de Cláudio e por isso, seria o único herdeiro da fortuna de Lacerda, apesar dos protestos de outros familiares interessados na herança.

Conquanto, ainda por muitos anos vivera o senhor Luiz e só quando Eduardo já se formara em direito é que ele viera a desencarnar. Eduardo assumira os negócios com responsabilidade e muita sensibilidade soube além de administrar os bens, criar várias oportunidades de auxílio aos desfavorecidos. Primeiramente às mães carentes, aproveitando uma obra já iniciada por outra irmã.

Em segundo momento, passou a auxiliar os desvalidos e sem tetos. Criou oportunidades de emprego. Investiu nos funcionários, criando vilas com casas para cada um, que dispunham de toda infraestrutura para o bem comum, como ruas, água e esgoto. Energia, saúde, policiamento, comércio, escola e cursos técnicos e preparatórios ou capacitantes.

Eduardo que voltara a Terra viera para ser modelo de administrador preocupado com os seus funcionários e todos mais que estivessem ligados. Apesar dos protestos iniciais dos seus sócios, aos poucos perceberam que era um bom negócio investir em qualidade de vida dos que trabalhavam para eles.

Além de estimulá-los a crescer e compartilhar os ganhos, não apenas materiais. Eduardo não era um chefe de escritório apenas. Sempre estava a visitar, frequentar os mesmos locais dos seus subalternos. Foi padrinho de muitos casamentos e rebentos. E ainda assim, achava que fazia pouco.

Mas como todo bom homem, um dia ele deve partir deixando apenas os seus exemplos.  Assim retornou. Tentou deixar discípulos e responsáveis por continuar suas obras. Infelizmente a ganância e o materialismo humanos arraigados aos sentimentos infelizes desvirtuaram as obras, começaram a dissipar o seu legado.

Entretanto, os seus exemplos permaneceram para muitos e hoje, quantas famílias procuram ser fraternas e auxiliar os que os rodeiam em memória do que aprenderam com o senhor, o tio, o pai, o amigo Eduardo. É assim que um servo de Deus vive. Não importa quantos recursos ele tem, o mais importante é o legado de boas atitudes e exemplos que ele irá deixar para a posteridade! E você, o que vai deixar? Será como um Eduardo, uma Flávia, um Luiz ou viverá fechado em si mesmo? É hora de mudar! Os tempos não permitem mais cultivarmos o orgulho e o egoísmo. Pense e mude para não cair no engodo de ser feliz diante da infelicidade dos outros! Obrigado!

Jesair Pedinte – 02.01.12

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