Remédio Amargo ou Doce?
Suzana era uma bela jovem. Nascida em berço favorável às posses materiais, sempre fora bem aquinhoada de oportunidades na vida.
Desde cedo frequentara as melhores escolas, tivera aulas de música, pintura, equitação entre outras tantas atividades consideradas nobres e de acordo com a classe social a qual nascera e pertencia desde sempre. Seus pais, sempre procuraram oferecer o melhor para o seu coração. Além de todas as oportunidades de aprendizado, como filha única, ela recebia todas as atenções. Infelizmente, e até mesmo por esta situação propícia, aliada à condição espiritual de seu eterno ser, isso só contribuiu para que cultivasse em seu íntimo o orgulho e o egoísmo exacerbadamente.
Os pais, frequentadores da igreja mãe de outras tantas no orbe terrestre, a levavam na esperança de que as lições imorredouras do amigo Jesus introjetasse no coração da jovem os valores da moral. A intenção dos pais era de que as lições da religião, das missas e atividades as quais participavam em favor do próximo fossem o estímulo e o exemplo necessário para que Suzana pudesse aprender o valor da fraternidade, do amor, do respeito, da humildade.
Os pais eram exemplos de cidadãos e cristãos. Tratavam seus empregados como amigos, irmãos. Contudo, não impunham a disciplina e a vontade de educar o espírito da filha como regra maior. Para eles, bastava o exemplo que davam. Só a obrigavam a frequentar as missas. A não ser da primeira vez, nunca obrigaram Suzana a ir com eles nas atividades caridosas que realizavam junto a comunidades carentes. Foi assim, neste ambiente e nestes aprendizados que a pequena Suzana cresceu e aos poucos foi mostrando as arestas a serem aparadas em sua nova vida.
Com os anos, a adolescência, a beleza física que exaltava sua vaidade feminina. Ela percebeu o quanto era “poderosa” e podia controlar, incitar, enganar, manipular as pessoas como ela quisesse. O único freio que possuía eram os pais. Estes já haviam percebido que haviam falhado em partes na educação da filha e muitas vezes entristeciam-se com o seu comportamento.
Nestas horas, procuravam sentar com ela e conversar. E com muita teatralidade, a jovem conseguia convencer os pais que mudaria, para que tudo ficasse bem. Entretanto, dias depois os maus comportamentos repetiam-se para a tristeza dos genitores. Suzana brincava com os sentimentos dos jovens. Humilhava os empregados nas costas dos pais. Estava sempre pronta para fofocas e maledicências... E ai daquele ou daquela que lhe “pisasse no calcanhar”! Ganhava uma inimiga mortal, pois o perdão não morava naquele coração iludido. Talvez ela só “perdoasse” as chamadas de atenção dos pais por que eram os pais que a sustentavam. E de certa forma, a moral dos mesmos impunha respeito ao seu ser pouco disciplinado e displicente.
Com um pouco mais de vinte primaveras de nossa personagem, os pais adoecem numa viagem ao sul do país e desencarnam vítimas de uma virose desconhecida na época. Suzana sente a morte dos seus e por algum tempo procura honrar o nome deles. Parecia que o desencarne deles havia tocado os bons sentimentos da moça que passara a agir como os mesmos, exceto pelas atividades de caridade. Isto porque o choque da perda dos amados pais a ligara a seu mentor e amigos protetores. Intuitivamente, através de uma ligação forte e de amor pelos pais, Suzana passou a ouvir e aceitar as sugestões que antes não eram bem recebidas por ela.
Contudo, Agenor, comparsa do passado e que estava sempre próximo a lhe inspirar atitudes que exaltassem sua superioridade, seu orgulho, vaidade, egoísmo e atitudes levianas sentira-se traído mais uma vez por aquela que amava desde remotas eras. Assim, não cruzara os braços. Começou um plano ardiloso com outros infelizes que lhe deviam favores inomináveis e iniciaram ações planejadas para que ela voltasse às relações e atitudes de sempre.
Inicialmente, foi penosa a situação do propenso obsessor que não entendia a firmeza moral espontânea da moça. Tudo era questão de sintonia e ela não estava mais “ouvindo” suas sugestões. Isso o irritava!
- É claro que ela não te escutará!
- Como assim? Por quê?
- Ora, você parece um idiota! Pense um pouco. Ela esta harmonizada com os cordeirinhos daquele carpinteiro. Não adianta nada disso que você está fazendo.
- O que eu faço então!? – diz Agenor já desesperado.
- É fácil! Vamos esperar um momento de invigilância dela.
- Fácil... Até parece que é fácil assim. Pelo menos ainda não. Exato?
- Sim, está certo. Mas o que isso tem a ver?
- Fácil, fácil... Vamos insinuar ao padre, aos outros que vão às missas que aqueles que não participam DAQUELE trabalho específico da igreja não merecem ir para o céu.
- Que plano bobo...!
- Calma. Preste atenção no que eu disse! Os pais dela não participavam deste trabalho certo?
- Sim, está certo.
- Sendo assim, ela poderá entender que os pais dela, que faziam um trabalho de caridade por conta própria não foram pro céu e por isso, concluir que estão no inferno.
- Umm... sei não...
- Confie!! Uma frase mal articulada aliada a uma pessoa maledicente faz “milagres” para o nosso lado... – risos.
No próximo domingo na missa, o Padre Dimas convocou os fiéis para o trabalho de auxílio às crianças de rua que a igreja auxiliava. Dissertou como era importante realizar algo em favor do outro. Falou que Jesus espera isso de todos os seus seguidores, dando a entender que todos deveriam procurar frequentar aquele trabalho aos ouvidos distorcidos de algumas pessoas.
Uma delas, Maria Joana estava ao lado de Suzana e comentou:
- É verdade! Temos que frequentar esse trabalho que é belo!
- Sim. É um belo trabalho. Mas podemos ajudar os outros de várias formas – disse Suzana.
- Não sei não. Pra mim, o Padre Dimas foi específico. Este é o único trabalho que está de acordo com o que Deus quer!
Suzana, não continuou, mas abriu as portas para uma sintonia distorcida. Na saída da igreja, ouviu novamente outras pessoas falarem algo parecido com o que disse Maria Joana e um início de revolta começou a aparecer em seu coração. Foi aí que Agenor e seu comparsa aproximaram-se não só de Suzana, mas de outras mulheres que conversavam de forma invigilantes na porta da igreja. Até que uma delas, de costas para Suzana disse:
- Eu concordo Maria. Tem pessoas que acham que podem fazer caridade de qualquer jeito. Sem uma orientação do padre. Isso é pecado! Quem faz isso vai é pro inferno e não pro céu!
Suzana, perdendo o controle diz em alto e bom som.
- Ora que ridículo! Se for assim, você quer dizer que meus pais estão agora no inferno, mesmo ajudando a tantas pessoas como fizeram?
A mulher dominada pelo comparsa de Agenor devido a sintonia estabelecida rebate.
- Ora... Com certeza minha filha! Eles não seguiram a cartilha do Padre, hoje estão no fogo do inferno!
A partir daí a confusão instalou-se. Suzana quase perdia o controle e estava prestes para agressão física. Nisto, padre Dimas correu em auxílio e logo procurou acalmar os ânimos. Ele que era um ótimo médium intuitivo, recebera o “recado” do mentor de Suzana que pedira ao mentor do pároco tal intervenção. E como a lei de merecimento cabe a todos que procuram o bem, logo o padre atendeu a intuição.
Separando e pedindo calma às senhoras e à jovem e usando de uma energia forte, mas fraterna, padre Dimas pede explicação das partes envolvidas. Ao final do relato das duas partes, ele explica melhor suas palavras. Pede perdão às filhas da sua paróquia por não ter sido claro o suficiente e causado tal confusão.
Agenor é afastado pelos anjos guardiões daquela casa de Deus que haviam permitido sua entrada para que aproveitasse algumas lições. Infelizmente, não soube aproveitar e agora estava sendo direcionado, não sem antes receber o convite para mudar o rumo de sua existência espiritual. O que não foi aceito logo a primeira vista, assim como aconteceu com o comparsa.
- Entretanto, meu filho – disse o guardião da igreja – daqui em diante não poderás mais entrar nesta casa de Deus! Ficará impedido de estar junto à menina Suzana por alguns dias a fim de que ela possa seguir com mais tranquilidade os novos caminhos.
- Mas ela é minha mulher!
- Não meu filho. Ela só é de Deus. Se em alguma vida ela foi sua companheira, hoje não é mais, pois está vivendo na carne e você ainda insiste em não voltar ao corpo por medo. Pense um pouco... Você perde muitas oportunidades de viver sendo amado por aqueles que deixou no passado, inclusive por ela que nem se lembra de sua existência.
- ... não é verdade.
- Será que não? Aceite nossa ajuda meu amigo. Você poderá ter paz novamente.
- ... Hoje não... Quem sabe da próxima vez...
- Estaremos lhe esperando quando estiver pronto!
- Certo... Agradeço... Mas vou-me indo agora. Prometo que a deixarei em paz por enquanto.
- Estaremos por perto.
E lá se foi Agenor, transtornado e perdido. Ali, foi o início de sua recuperação como espirito imortal. Já Suzana, após a confusão pediu perdão à outra fiel. E depois de uma conversa fraterna com o Padre Dimas, acabou aderindo às fileiras do trabalho cristão em favor do próximo. Não apenas aquele trabalho específico da igreja, mas outras atividades. Inclusive aquelas que os pais já realizavam antes da passagem das suas vidas.
Assim, Suzana, transformada pela dor da perda dos seus maiores exemplos de vida... Seus genitores, passou a viver pelo bem comum. Os pais, que a educaram da maneira deles, só tinham a agradecer os amigos espirituais pela intervenção, pois agora reconheciam, que apesar dos bons exemplos, faltou-lhes impor mais disciplina à educação da filha que Deus lhes confiara.
Contudo, pelos méritos adquiridos nos bons exemplos, a espiritualidade interviu a favor de Suzana. Entretanto, de nada teria adiantado se ela não houvesse aceitado as sugestões e procurasse mudar dentro de si. A dor foi o remédio amargo para o despertar dos compromissos assumidos antes da encarnação.
Assim é a vida! Assim são os planos de Deus! Ele nos oferece o remédio doce quando somos dóceis e o amargo quando somos indiferentes. Mesmo assim, utiliza da bondade e dos bons exemplos para serem instrumentos da mudança. Avaliemos nós, a vida que cultivamos. Onde estamos bebendo o doce remédio? Onde e quando estamos procurando o amargo remédio da dor?
Obrigado! Jesair Pedinte – 11.01.12
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