Sutileza de Um Olhar

Eram olhos pequenos e amendoados vivificados pela cor castanha bem clara... Olhos que diziam tudo daquele pequeno ser que crescia de corpo e alma. José era um garoto que morava no interior de Minas Gerais, filho de um grande fazendeiro da região mineira de Ouro Preto... Trazia sempre um semblante calmo e bastante intrigante!
Todos que dele se aproximavam eram tomados por uma enorme paz de espírito. Dizia-se em pouco tempo que o menino era realmente um anjo que havia vindo do céu para cuidar de toda aquela gente da cidade...
O menino José em si, pouco falava, mas sorria bastante! Com atitudes sempre educadas e pouco usuais para sua idade, quando as crianças saem correndo por aí como passarinhos estridentes e alvoroçados... Nosso garoto demonstrava um modo diferente de viver sua vida. Não que não gostasse de brincar e sorrir como os demais. Entretanto, ele sempre preferira a presença de pessoas mais velhas e sábias. Preferia parar frente a um mendigo e sorrir-lhe! Às vezes, espalmava suas mãozinhas sobre a cabeça de um pobre coitado e este logo era tomado por uma energia revigorante que lhe dava o prazer de viver!
Exceto essas excentricidades incomuns aos pequenos de seis anos de idade, não era muito diferente dos demais rebentos ricos da cidade... Gostava de estudar, ler, inclusive livros muito acima de sua faixa etária... Até porque no fim do século XIX não havia muitos livros infantis... Adorava a companhia da mãe e de seu pai... Que além de fazendeiro era o médico mais respeitável da querida Ouro Preto...
O que José mais gostava era acompanhar o pai em seu trabalho... No início o pai o levava para atender as curiosidades infantis, mas depois, percebeu que não era só curiosidade... Era algo mais! Percebia que o filho sempre procurava entrar em contato com os pacientes. Dava um sorriso, conversava com muito carinho... Afagava a cabeça quando o pai permitia que o filho tocasse.
O senhor Paulo, pai de José só não gostava de leva-lo aos pacientes que tinha doenças contagiosas por razões óbvias!
- Mas eu quero paizinho!
- Eu entendo meu filhinho! Mas o papai não pode colocar você junto de uma pessoa muito doente, pois você pode ficar do mesmo jeito.
- Mas o Senhor não vai estar lá com o doente?
- É porque eu sou adulto e já estou acostumado com isso. Meu organismo não sente. Você ainda é um rapazinho que está crescendo e não pode ficar exposto a doenças contagiosas...
- Mas eu preciso te ajudar a curar eles paizinho!
O senhor Paulo tentava convencer o filho, mas ele era irredutível... Quando o pai conseguia ludibriá-lo e entrar sem sua criança e atender o paciente, José logo dava um jeito de adentrar de fininho... E quando menos se esperava lá estava o garoto sorrindo, conversando ou impondo as mãos no paciente...
Ele tomava umas broncas, mas sempre com argumentos fortes e sinceros dobrava o pai...
- Mas paizinho! Olha só... Ele já está melhorando! Olho o seu rosto, já está corado que nem o seu!
Era verdade... O pai não sabia se tinha sido só os medicamentos... Eles deveriam fazer um efeito mais demorado... Contudo, não dava muito importância aos fatos que se repetiam, pacientes após pacientes!
Certa vez, um homem estava com uma virose totalmente estranha... Definhava na cama do pronto socorro da cidade e há quase uma semana o senhor Paulo não conseguia nada muito além de mantê-lo vivo... Só definhava pouco a pouco. Não conseguia ter um diagnóstico claro, sabia que era uma doença incomum e contagiosa. Desta vez nem levara o filho ao hospital e até evitava comentar sobre o homem para que o garoto não fosse vê-lo...
Entretanto, o menino escutara sem querer os empregados da casa comentando o caso... Sabendo que o pai não iria gostar de vê-lo nisto resolveu pedir ao pai que levasse na casa de sua tia Antonina na cidade, que ficava há uma quadra do pronto socorro...
No outro dia, depois de passar a manhã brincando e dando atenção à tia e aos primos, José saiu de fininho e foi ao posto de saúde... Lá chegando, conseguiu penetrar de fininho no quarto de Amadeu que moribundo repousava quase inconsciente... José aproximou-se e procurou rezar a Deus com toda fé!
- Deus, Pai de todos nós! Eu peço ao Senhor que abençoe o nosso irmão que não pode morrer! Ele é um homem bom, eu sei! Tem filhos e eles ainda precisam ter um pai como eu tenho o meu! Me ajuda senhor, a ajudar esse homem bom! Pai nosso... Amém!
Ao fim da oração com as mãos espalmadas e “passeando” por sobre o corpo todo do paciente há cerca de poucos centímetros acima, com o olhar meigo e terno ao irmão desditoso, um perfume suave envolveu o garoto e espalhou-se no recinto. Este já em transe, mexia as mãos de forma que parecia segurar algo sobre a região do tórax e logo parou...
O senhor Paulo havia parado do lado de fora espantado, mas algo o segurou para que não entrasse e atrapalhasse seu filho... Só conseguiu mexer-se quando José terminou os movimentos e sorrindo disse “Obrigado Deus”.
Paulo entrou e tirou o filho de lá, mas não estava bravo... Não conseguia. O filho com um olhar terno, sutil e amigável o desarmara como sempre... Alguns minutos depois, Paulo sai do quarto do paciente e pergunta ao filho:
- O que você fez José?
- Eu o curei papai...  - olhando de forma tímida e cativante...
- Como assim? O curou?
- Você mesmo já viu que ele está bem não é?
- Sim... E tinha certeza que de hoje ele não iria passar.
- É... eu sei, foi o que o homem de barba falou pra mim.
- Que homem?
- Era o homem que estava do lado do senhor Amadeu... Ele disse que eu poderia curá-lo, pois eu tenho essa capacidade e vim para fazer isso na vida. Apesar de que não vou ficar aqui por muito tempo...
- Mas não havia ninguém além de você por lá meu filho!
- Ninguém que você poderia ver papai. Mas isso é complicado explicar. O homem de barba era como se fosse o anjo da guarda do senhor Amadeu. Ele me pediu e eu fiz. Curei com a graça de Deus!
O senhor Paulo sabia que seu filho não mentiria para ele... Mas custava crer naquela história toda... Logo a notícia espalhou-se pela boca dos enfermeiros e aos poucos a cidade ficara sabendo de tudo. Seria mentira ou verdade? Ninguém sabia. Mas por via das dúvidas, quando alguém estava doente queriam a presença e as bênçãos do menino sobre os doentes... Aos poucos, como o pai era médico e visitava as pessoas ao lado do filho, este sempre impunha suas mãos para a cura... Todos demonstravam melhora absoluta assim que pai e filho saíam.
O menino começou a receber pessoas na casa do senhor Paulo que já não estava gostando da ideia. Chamou o padre e explicou a situação pedindo um conselho. O padre achou que aquilo tudo era fantasia e crendice popular e só orientou que não levasse mais o menino nas consultas... Entretanto... Dias depois o padre enfermo pediu ao médico que trouxesse o menino e ao encontrar o pároco o garoto também auxiliou na sua cura... Este o considerou um anjinho de Deus! Todas as vezes o menino narrava ao pai que sempre haviam outras pessoas “invisíveis” com os doentes. Umas eram boas, outras ruins. Mas as boas sempre auxiliavam-no a re-estabelecer a saúde das pessoas...
Um dia José foi encontrado no canto da sala chorando e o pai perguntou por que daquilo...
- É que um homem bom veio e me falou algo ruim, apesar que eu já esperava por isso... Mas não quero ir embora.
- Como assim filho? Acalme-se. O que ele disse?
- Ele disse que eu já curei o corpo dos homens e mulheres da cidade e já cumpri minha missão de auxiliar o senhor em acreditar que há algo mais na vida que pode auxiliar a medicina. A fé e a oração! Por isso, tenho que ir embora e deixar o senhor e a mamãe aqui sozinhos... Só que antes, as pessoas têm que aprender um pouco com minha despedida...
O pai achou que o filho só tinha tido um pesadelo... Mas ficou pensativo. Amava muito seu filho para pensar em não tê-lo mais por perto... Num dia, Paulo foi chamado na casa de outro fazendeiro rico. A esposa estava em trabalho de parto complicado... Depois de horas o filho nasceu com algumas dificuldades e deficiências aparentes... Ficara tempo demais no útero e também fora de certa forma estrangulado pelo próprio cordão umbilical, faltando assim oxigênio suficiente no cérebro, comprometendo algumas funções essenciais...
Foi uma tristeza e um golpe grande para a mãe e o pai daquele filho que acabara de nascer. O bebê foi levado ao pronto socorro e lá piorou o seu estado pela fragilidade imunológica adquirindo uma bactéria que com certeza ceifaria a vida do amado entezinho.
Os pais do bebezinho, considerando José um menino santo, pediram ao senhor Paulo que ele deixasse o seu filho abençoar aquele que acabara de nascer... Tinham fé que o garotinho de Paulo curaria o recém nascido... Filhinho muito esperado que veio quando ninguém mais acreditava que viria, depois de anos de tentativas... José foi levado ao pronto socorro e fez o seu ritual... Antes, abraçou com carinho o seu pai, mas a emoção foi tão grande que algo apertou o coração de Paulo... Lá foi o menino abençoar o bebezinho... Só que desta vez, os movimentos eram diferentes e José conversava com alguém invisível.
- É preciso mesmo senhor? ... Entendo... Então chegou a hora... Sim, colocarei as mãos em sua cabeça e no seu coração...
O menino José parecia um médico experiente e de outro mundo, tamanha a desenvoltura que apresentava. Seu pai o olhava e não via o seu filho, mas sim alguém iluminado e mesmo não entendendo o que se passava tinha muita fé em seu garoto, contudo algo apertava o seu coração de pai... Quando José terminou os movimentos teria caído no chão se não fosse a proximidade de seu querido genitor que o segurara. José já estava inconsciente... O pai achou apenas que tinha se esforçado muito e o colocou numa maca de seu consultório enquanto averiguava as condições do bebezinho...
Sorriu! O filho realmente tinha um poder iluminado! O recém nascido parecia ter todas as funções normalizadas... Todos os sinais negativos haviam desaparecido! Saíra da sala e comunicara os pais, que felizes só tinham agradecimentos ao pai e principalmente ao “anjinho” José! Paulo estava orgulhoso e convidara os novos amigos para conversarem com seu filho. Quando entrou na sala parecia estar dormindo, mas logo ao tocá-lo sentiu-o mole... seu coração de pai paralisou... O que havia acontecido...?
Tentou acordá-lo e nada! Gritou os enfermeiros... Buscou reanimá-lo... De repente aqueles olhinhos voltaram a se abrir junto a um pequeno sorriso nos lábios...
- Papai... Não se preocupe... Lembra que o anjo me disse...?
- Não fale muito meu filho. Só preciso saber o que você está sentindo pro papai poder te ajudar!
- Não... – já falando com dificuldade - Chegou... a hora paizinho... O anjo está aqui me dizendo que já cumpri minha missão... Salvar a vida de todos aqueles que tirei em outra oportunidade... Eu sonhei que era mau e tirava... A vida deles... Mas agora eu sou bom... E consegui pagar... A última moeda da dívida...
- Não fale assim meu filho... Papai vai te ajudar...
- Não paizinho... O senhor já me ajudou... A viver e a curar... Ensinou-me tudo... Agora eu tenho que ir... Não fica triste... A mãe está recebendo um irmãozinho... Que será a luz da vida de vocês... Eu amo você... Papai... Diz pra mãe que eu a amo... Demais...
A cena era mais do que comovente... Os pais do bebezinho não sabiam o que fazer... Estavam constrangidos e arrependidos do pedido. Num último esforço, José virara a cabeça ao casal e lhes fala:
- Não se culpem... Senhores... Fiz o que era preciso... Lembrem-se de Jesus... Ele também deu a vida pelos outros... E não sou tão bom quanto ele, mas... Agradeço por fazer algo assim...
E num olhar sutil e terno José despedira-se da vida para adentrar na vida eterna! Foi considerado o pequeno santo de Ouro Preto. Lembrado por muitos “eternamente”... Mas para a maioria, foi esquecido em poucos meses... Como fazemos até hoje com o Mestre amigo!
A mãe de José, exatamente nove meses depois recebeu um novo garoto, forte e sorridente, como o irmão. A tristeza pela perda do primogênito foi superada pela lembrança de sua bondade. Os ensinos ficaram nos corações daquele casal que tiveram a certeza da bondade de Deus e da existência de outras forças que a ciência ainda não explicava...
Lições que a vida sempre nos dá... Contudo, o que mais marcava e dava forças para Paulo viver era lembrar do olhar sutil e terno que José gravara em seu coração! Assim como o olhar de Cristo a todos nós quando na cruz nos perdoava pelos nossos erros...
Obrigado! Jesair Pedinte – 18.01.12

A história de José tem haver com o "dom" da cura através da mediunidade. Correto? Assim, podemos pensar que ele viveu apenas poucos anos para completar uma existência passada que pode ter sido abreviada?
Certo. Conquanto, precisamos abordar outros aspectos de sua pequena vida. Como ele mesmo revela, precisa ressarcir seus débitos devolvendo a saúde e a vida àqueles irmãos que no passado prejudicara e até assassinara...
Mas há algum outro motivo para seu desencarne em tenra idade?
Como está no Livro dos Espíritos, podemos perceber que além do fator citado, esta é uma prova para o espírito que se desliga materialmente dos entes queridos - neste caso os pais - e também verifica que terá que recomeçar uma outra existência para poder cumprir outras “missões” ou planos de evolução. Ao mesmo tempo, é uma libertação do “pássaro preso na gaiola” da vida na carne. Seu espírito liberta-se. 
Para os pais como afirmam as obras codificadoras - "Livro dos Espíritos" e o "Evangelho Segundo o Espiritismo" -, é uma prova e expiação das mais severas. A perda de um filho toca as fibras mais íntimas do coração humano quando há amor sincero! 
Por fim, o exemplo que esta família deu de resignação e auxílio ao próximo é muito claro e admirável!
Referente ao desenlace do nosso amigo José, é estranho ele curar e de repente desencarnar. Parece-me que o garoto doou todas as suas energias que foram "sugadas" pelo recém-nascido e por esse motivo o corpo faleceu, sacrificando-se! Seria exatamente isso?
Poderia até ser, caso este fosse o ponto. Ele estaria fazendo um sacrifício louvável aos olhos de Deus! Sendo que por este ato, o próprio Senhor do Universo poderia prorrogar seu tempo oferecendo uma moratória na carne.
Contudo, o caso do nosso amigo José foi outro. Apesar de não transparecer, nosso amiguinho apresentava uma falha no coração desde tenra idade, motivo principal do seu desenlace. Esta falha, segundo a sua programação de vida só se manifestaria naquele exato momento, deixando transparecer ao que nos perguntaste, ou seja, que ele se sacrificou para salvar a vida de um entezinho.
O que ocorreu é que a espiritualidade sabendo de sua programação de existência intuiu os acontecimentos para que ele pudesse salvar mais uma vítima do passado e com sua morte, sua fé no futuro, sua resignação nos desígnios de Deus ele servisse de bom exemplo às criaturas que estavam a sua volta, a começar pelo casal, pai do bebezinho e o seu próprio pai.
Como recompensa da resignação de seus genitores, eles puderam receber mais um filho para ser educado nos valores do bem e da boa moral! Enfim, meu filho, Deus sempre encaminha-nos para o aprendizado e não desperdiça nenhum acontecimento para fazer evoluir seus filhos!
Obrigado! Jesair Pedinte e amiGOS

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